a sorte poderá, mesmo sem conteúdo pessoal que o tire do atoleiro do lugar-comum, ver-se guindado aos cumes mais altos.

Li isto já não sei onde, mas lembro-me de que no final destas reflexões sobre o mérito se objectava textualmente e com a amarga ironia de quem não tem feitio para aceitar moeda falsa:

Destas três formas de conquistar a celebridade não é certamente a primeira a mais segura.

Ora, V. Ex.ª, Sr. Presidente, não tem necessidade nenhuma das minhas expressões de louvor e admiração. V. Ex.ª é, realmente, um homem notável, que sucede nesse lugar a outro homem que também não carece de encómios.

Mas apraz-me, neste momento, envolver V. Ex.ª e o seu antecessor nas minhas saudações.

E, cumprido este gratíssimo dever, permita-me V. Ex.ª que comece, ou melhor, que recomece:

Alguém que tomou assento nesta Casa durante várias legislaturas e já exerceu neste país lugar de alta responsabilidade disse-me, ainda não há muitos dias:

Coloco a verdade acima da amizade, porque a mentira nem sequer deixa prevalecer a justiça.

Não irei agora fazer considerações de ordem filosófica sobre estas palavras, mas julgo de toda a conveniência reproduzi-las, pelo pensamento que as enche e pela actualidade que as recomenda.

Donde vem esta falta de atenção pela verdade, que se nota com frequência cada vez mais espantosa?

Porquê esta deturpação dos factos, a que muitos se entregam com um frenesim quase satânico?

A que se deve esta mentira diária que pretende fazer escola e tem já mestres experimentados na arte de destruir as pessoas e as coisas?

Como se chegou a semelhante desrespeito por tudo quanto é respeitável?

Como e porquê?

É certo que na vida internacional alguns países fazem da verdade alimento que se mastiga e deita fora, quando não convém.

Sei, e todos nós sabemos, que muitas vezes se procura colocar na posição de réus os que têm o direito por si e na cátedra dos juizes os que têm do seu lado a força bruta.

Já não há quem possa ou deva desconhecer que a razão, em muitos casos, é esmagada pela injustiça.

E daí o dizer-se que o mal é do Mundo, é dos tempos, é da corrente que ninguém já poderá deter.

Mas eu não assino esta abdicação.

O Mundo, no que depende dos homens, será aquilo que os homens quiserem que ele seja.

Se repararmos, não é a humanidade em peso que está sepultando a verdade e elegendo a mentira. É a audácia subversiva, o atrevimento impune, o irrequietismo maquiavélico de alguns, perante a cobardia, a hesitação, o comodismo e a indiferença de muitos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não são os ventos que sopram irremediavelmente de um quadrante invencível - são os temporais à solta por culpa do «não vale a penas de hoje, que se converterá no aja não pode ser» de amanhã, por culpa dos irresolutos desta hora, que serão as vítimas da hora que se seguir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Um dia o grande orador que foi José Estêvão, ao referir-se a um dos mais importantes discursos parlamentares de Garrett, apelidou de «granadeiros titubeantes» aqueles que Garrett, nesse mesmo discurso, procurava, com delicadeza, manter sob o pendão da unidade.

Pois não poderão existir do nosso lado, seja onde for o em que situação for, granadeiros titubeantes, gente que não sabe determinar-se nos momentos difíceis, principalmente quando a resolução individual se impõe como único meio de evitar o ataque imprevisto ou de o atalhar a tempo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Os exemplos sucedem-se:

As vezes, partindo de um acontecimento inegável, há quem se ocupe em alterar-lhe malèvolamente o sentido - e nem sempre os que se dedicam a tão ruim mister são batidos no momento em que o exercem por adjuntos ou auditórios, ou isoladamente, como quem diz um segredo ao ouvido de pessoa amiga ou interessada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Outras vezes, as pessoas honestas são caluniadas torpemente, e nem sempre e no próprio instante em que o caluniador procura envenenar as consciências se condena e varre a sua baba peçonhenta.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E quando este ou aquele, depois de injustamente agredidos, se defendem com o necessário vigor, não é raro ouvir-se dizer, mesmo a alguns portadores de boas intenções, e que se calaram perante a agressão injusta, que as vítimas reagiram agressivamente.

Ora assim é que não pode ser.

Assim caminhamos para um autêntico clima de insurreição, que poderá avolumar-se e tornar-se muito grave, a ponto de implicar a acção maciça da própria autoridade.

Porque o caso que está posto e que emerge do desrespeito pelas virtudes ancestrais, pelas pessoas e pelas coisas veneráveis, pelos princípios dados como assentes entre gente civilizada, pelas próprias convenções, ainda não banidas do convívio em sociedade, é essencialmente um caso revolucionário em marcha através de métodos que colocam em jogo todo o nosso património histórico e moral.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não tenhamos ilusões.

A mentira criminosa procura derrotar-nos a todos - a todos sem qualquer ressalva.

Grosserias, sarcasmos, desacatos, campanhas de maledicência, atitudes desaforadamente insólitas, confabulações mais ou menos mitopáticas, teorias mais ou menos arrevesadas ou mais ou menos aliciantes, tudo isso no fundo e sempre tendendo para a criação do am-