e aprumo, e que felizmente, depois de grave doença, temos o prazer de ver aqui compartilhando dos nossos trabalhos.

E fechamos o parêntese. Falávamos dos méritos consagrados de V. Ex.ª como professor e cultor do direito. Mas esses dotes intelectuais, Sr. Presidente, seria indesculpável falta não os destacar enfeixados indissolùvelmente pelas fortes virtudes morais que avultam na sua pessoa. Os imperativos lógicos de uma alma afirmativa e intrépida, e que não duvido, são das qualidades que melhor devem concitar o nosso respeito.

Sr. Presidente: precisamente o facto de uma associação feliz de dotes excelsos do intelecto com os de uma vontade firmíssima ao serviço dos mais puros imperativos morais me transporta logo ao essencial do tema que hoje perante a Assembleia me proponho aflorar de leve, já que versá-lo e mesmo brevemente seria desmedido para a concisão do tempo de que dispomos.

Trata-se do Rei Senhor D. Pedro V. O tema tem relevante actualidade, dado que precisamente no dia 11 de Fevereiro passado ocorreu o centenário da sua infausta morte. Na imprensa diária o caso não passou despercebido. Porém, as prolongadas dúvidas sobre o dia de amanhã, que nos absorvem, tensão de riscos que sobre a Pátria pendem e nos cortam a alma, ajudam explicàvelmente a afastar a nossa presença atenta de todo o resto, venerável que seja.

A cronologia não tolera, porém, convencionalismos; tem de ser o que é, quite de não representar coisa alguma. Recordemos por isso ainda dentro deste ano, o correspondente ao do centenário da sua morte, El-Rei D. Pedro V. Muito lògicamente se lhe deve homenagem dentro deste palácio, o das Cortes, perante as quais jurou e onde por mais de uma vez presidiu à inauguração das respectivas sessões.

Pelo depoimento dos contemporâneos, é facto historicamente incontroverso o invulgar nível intelectual que distinguiu aquele soberano português.

E, ligado a essa natural força de espírito, um gosto de saber, uma aplicação ao estudo, cedo despertada, que causava o espanto dos seus distintos mestres, escolhidos a preceito. Dos nacionais, os humanistas Bastos e Viale, o general Folque, o aio, visconde da Carreira ... Aos 12 anos podia manejar o latim como língua viva. A seguir aprendia o grego. O alemão, o inglês, o francês, eram línguas em que se correspondia correntemente. Por sobre isso, estudo de história, do ciências matemáticas e naturais, progressivamente completado com estudos de índole superior, militares, de história diplomática, de direito natural e político, como cumpria à preparação de um príncipe destinado a reinar.

Justo é recordar a este propósito o papel preponderante que sua mãe, D. Maria II, teve no influxo e assistência à educação dos príncipes seus filhos.

Muito conceituosamente assim o destacou Rebelo da Silva, no elogio histórico que perante a Real Academia das Ciências fez em 1863 de D. Pedro V:

A Senhora D. Maria II não foi só um grande rei. Era, sobretudo, mãe vigilante e educadora inimitável.

Os talentos naturais de D. Pedro e o cabedal dos seus conhecimentos foram celebrados, como já disse, pelos seus contemporâneos de estofo. Além dos seus professores citados, o difícil Herculano o refere não só no prefácio à sua História de Portugal, como em trechos de cartas escritas à sua morte prematura. Confirmam-no Rebelo da Silva, Castilho, o insuspeito Latino Coelho, nas suas memórias o grande diplomata conde de Lavradio, que do rei dizia:

Apesar dos seus poucos anos, considero-o o homem mais esclarecido e bem intencionado do nosso país.

por todas as suas faces, e determinando-se depois de os ter sujeitado ao rigor do seu entendimento e ao critério da sua austera e bem formada consciência. Não era um impulsivo, porque os grandes intelectuais raríssimas vezes o são, se é que alguma vez a inteligência pode abdicar da sua função deixando-se espoliar pela excitação momentânea dos nervos.

E logo adiante, segue completando:

Ora nós não conhecemos ninguém em que o bom senso avultasse como em D. Pedro V. Foi exclusivamente devido a esse predicado que ele conseguiu falar sobre tudo melhor do que os outros tendo apenas 18 anos ...

O que ele tinha como qualidade primacial era precisamente a intuição fácil das coisas. Era essa intuição que o levava a discorrer com tanta nitidez sobre factos os mais distantes entre si, um quanto a caminhos de ferro, outro de ordem jurídica qualquer que fosse a sua especialidade, logo outro colonial, sempre com critério seguro e firmeza cerebral digna de admiração.

Aos aspectos que Vilhena apontara a mero título ilustrativo acrescentaremos os pertinentes aos problemas de instrução pública e militares que sempre o rei considerou como pontos de partida culminantes para a administração pública. Convém recordar, para justa compreensão desta hierarquização dos problemas, ter o País entrado já então francamente no período reconstrutivo subsequente à regeneração, em que o problema da paz dos partidos se havia conseguido compor através de Rodrigo da Fonseca e o da Fazenda através de Fontes.

Foi sobre o estudo do riquíssimo espólio de escritor do próprio monarca que a obra biográfica de Vilhena pôde fundamentar-se com solidez. Bem haja o biógrafo por ter promovido a subsequente publicação, mediante a Academia das Ciências, dos designados Inéditos de D. Pedro V, que dormiam, esquecidos