Em primeiro lugar, teremos de convir que a letra deste artigo não fica nada a dever à clareza, princípio que, de resto, deveria orientar toda a legislação.

No entanto, depois de certo raciocínio, chegar-se-á à conclusão de que as contas a fazer para se obter a cifra que represente a capacidade máxima de produção, magnânima e generosamente concedida a Moçambique pelo referido decreto, deveriam obedecer aos seguintes números:

Importação de tecidos de algodão nos três anos anteriores a 1939:

Quilogramas

Quantidades importadas da metrópole incluídas no total acima indicado:

Ora a média do total da importação efectuada corresponde a 3002 t e a média das importações da metrópole a 1913 t. Aumentando-se 20 por cento a estas 1913 t teremos 2296 t, que, subtraídas da média do total das importações, nos dá a capacidade de laboração fixada para a indústria têxtil de Moçambique, ou sejam, 706 t anuais de tecidos de algodão.

Tem de se concordar, afinal, que não foi magnânima, nem generosa, a capacidade de laboração autorizada à indústria de Moçambique, quando as suas importações já eram então de cerca de 3000 t anuais.

Mas para que não pudessem restar quaisquer dúvidas acerca- daquela disposição, o artigo 4.º do citado Decreto-Lei n.º 34 643 fixou taxativamente o seguinte:

Não podem ser dadas novas autorizações para a instalação de fábricas de fiação e tecidos de algodão nas colónias cuja capacidade fabril esteja esgotada, nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 33 924.

Fecharam-se assim as portas, hermèticamente, à instalação em Moçambique do quaisquer oubras fábricas além da unidade fabril de Vila Pery.

No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 33 924, «que regula o estabelecimento da indústria de fiação e tecidos de algodão no ultramar», voltou a repetir-se, com insistência, que «as indústrias que se estabeleçam nas colónias devem laborar matéria-prima que exista na própria colónia»; que «se compreende a criação de indústrias que, sempre utilizando matérias-primas coloniais, tendem a dar satisfação mais económica ou mais perfeita às necessidades públicas na colónia»; e, finalmente, que importava «ter em consideração a existência da indústria metropolitana» e que «não seria compreensível que se fundassem ou desenvolvessem nas colónias empresas industriais que tivessem por objectivo fazer concorrência a outras já existentes na metrópole».

(Reassumiu a presidência o Sr. Deputado Mário de Figueiredo).

O Sr. Pinheiro da Silva: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Pinheiro da Silva: - Tenho acompanhado desde ontem com todo o interesse e com muita atenção a exposição de V. Ex.ª Quer-me parecer, por isso, que a argumentação e as citações de V. Ex.ª só seriam procedentes se actualmente a situação fosse absolutamente a mesma de 1936. Julgo que não é a mesma, porquanto já produtos de certas indústrias alimentares de Moçambique, como a de bolachas, são vendidos na metrópole, e não me consta que a metrópole tivesse deixado de ter produtos congéneres. Portanto, repito, a situação não é a mesma. Em Angola, por exemplo, acaba de ser inaugurada uma magnífica central hidroeléctrica, que não tem só o objectivo de fornecer energia para iluminação, mas também contribuirá para o desenvolvimento industrial da província. Isto sim, é o que fundamentalmente se pretende.

O Orador: - Estou a referir-me a decretos que estão em vigor.

O Sr. Pinheiro da Silva: - V. Ex.ª bem sabe que as leis não caem em desuso sòmente quando vem no Diário do Governo uma disposição a revogá-las.

O Orador: - Peço a V. Ex.ª que continue a ouvir-me com a mesma atenção com que me tem acompanhado até aqui.

Vê-se claramente que o receio era que a eventual indústria têxtil a estabelecer no ultramar viesse fazer concorrência à indústria similar já existente na metrópole. E daí o cuidado de se legislar no sentido de impedir o desenvolvimento dessa indústria nas províncias ultramarinas.

Não se pode, logicamente, admitir tal critério, sobretudo no caso da indústria de fiação e tecidos de algodão, de cuja matéria-prima a província de Moçambique é larga produtora e que pode converter numa das maiores fontes de trabalho e de riqueza da sua população, tanto na produção da fibra, como na sua transformação industrial.

O Sr. Costa Guimarães: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz obséquio.

O Sr. Gosta Guimarães: - Nesse aspecto posso emitir uma opinião que talvez ajude a esclarecer os nossos ilustres colegas que o estão a ouvir e nos quais me incluo com todo o prazer. Como V. Ex.ª sabe, esse problema, de uma instância flagrante, está a merecer o estudo de industriais que o conhecem na sua profundidade.

Posso assegurar aqui que esperamos dentro de breve futuro chegar a conclusões práticas que em primeira mão serão transmitidas aos ilustres Deputados do ultramar que tiveram ocasião de assistir a uma oportuna reunião na Corporação da Indústria. Importa meditar no melhor caminho a seguir, para se adoptar uma orientação que se identifique com a criação do espaço económico português.

Nesse aspecto de valorização de riquezas do ultramar quero focar este ponto: não restam dúvidas de que a indústria é uma das fontes principais da riqueza. Mas outras há, e nomeadamente a do próprio algodão em rama. A evolução da produção do algodão em rama em todo o Mundo tem- se verificado em ritmo crescente a ponto de, se nos reportarmos a 1958, a produção mundial ter atingido um volume aproximado de 8 500 000 t, quando em 1961 atingiu 10 000 000 t.

Paralelamente, em Angola e Moçambique - em Angola talvez por razões do conhecimento de todos e em Moçambique por razões que não posso esclarecer - essa produção estabilizou.