No fim do século XV os preceitos legais que regiam a sisa eram os artigos de 1476, adicionados por D. João II e D. Manuel I.

Foram esses artigos mandados coligir pelo rei D. Sebastião, em livro de que há várias edições - uma das quais, a de 1779 (na oficina de José de Aquino de Bolhões), possuo e tenho aqui presente.

E começa assim:

De toda a cousa que for comprada, vendida, trocada ou escambada, fora pão cozido, ouro e prata, paguem de ciza dous soldos por libra, o comprador um, e o vendedor outro. Assim mesmo, dous soldos por libra de quantas vezes as ditas cousas foram vendidas trocadas ou escambadas. E isto se entenda em todas as cousas: salvo em o sai de que hão-de pagar de imposição cinco libras por alqueire, e mais não.

Aqui está afinal um imposto sobre transacção, múltiplo ou de repetição, com taxa uniforme, mas agravada ou reduzida para alguns artigos (sal e carnes), cobrado no retalho, com obrigação de inscrição no livro do escrivão ou rendeiro das sisas - no prazo de três dias.

Valerá a pena retê-lo, para quando emergirmos deste refrescante mergulho na história, à tona da actualidade.

Mas, antes de o fazer, terá interesse dizer do que foi o continuado protesto dos povos através das suas instâncias para que fossem abolidas as sisas.

As cortes respeitaram D. João I enquanto vivo, e embora acusem não poucos agravos na cobrança das sisas, nunca lhe pediram formalmente a sua abolição. E para além da sua vida, no curto reinado de D. Duarte, não há investidas contra a sua manutenção. Diz Gama Barros: «a glória de D. João I brilhava ainda bastante viva para não deixar manifestar-se o desfavor com que depois, sobre aquele ponto, foram invectivados os actos do seu Governo». Mas nas Co rtes de Lisboa de 1439 logo rompem os clamores: «que as sisas não são direitos de coroa nem foram lançadas pelos reis antigos; punham-nas os povos entre si, quando lhe sobrevinha algum caso para o qual precisavam de dinheiro, e tanto que cessava a causa, cessava logo o tributo».

O santa ingenuidade dos procuradores às cortes!

Como se alguma vez pudesse cessar a causa de cobrança de tributo imposto e aceite, que é sempre afinal a crescente necessidade do Tesouro que o percebe, tonel das Danaides nunca cheio.

Mas atendidas foram as instâncias feitas nas mesmas Cortes de 1439, quanto à aspereza dos varejos, «que mais os sentia o povo do que o próprio tributo».

Renovaram-se os clamores nas juntas de Lisboa e Évora de 1459 e 1460, pedindo ao rei «que por bem das almas do seu avô e do pai, e da sua própria, que tire de todo as sisas, ou ao menos dê ao povo algum alivio».

Mas o rei D. Afonso vai-lhe dizendo, com firmeza, «que se espanta de que as cortes toquem em tal matéria, pois bem sabem que o Reino e a sua fazenda, assim por criação e casamento dos vossos filhos e por outras necessidades que sobrevieram ao Reino, são em tão grande abatimento, que se aí sisas não houvesse ele as teria de pôr de novo».

E o mesmo, apenas acrescentado, responde D. João II à Assembleia de Évora de 1481-1482: «Sendo notório que a ele rei é impossível manter o seu estado e o bem e a honra do Reino sem o recebimento das sisas ou outro equivalente, parece-lhe que os povos não são agravados com a conservação de um encargo»; e D. Manuel I, às Cortes de Lisboa de 1498: «que esse rendimento e muitos outros revertem do fisco para o ponto de onde vieram, pois com eles supriram sempre os anteriores soberanos, e assim ele, não só as despesas gerais do Reino, mas o proveito de muitas pessoas, dando moradias, casamentos, tenças e outros auxílios de vida e encaminhamentos a filhos e filhas de fidalgos, cavaleiros e escudeiros, e a todas as outras classes». E e práticas, crê o Governo ser chegado o momento de instituir o imposto sobre o valor das transacções, e assim o consigna no artigo 11.º da Lei de Meios para 1963 (voltamos agora, como prometi, à tona da actualidade, emergindo das profundas da história), que reza assim:

O Governo no ano de 1963 deverá promover a substituição do actual imposto sobre consumos supérfluos ou de luxo por um imposto sobre o valor das transacções, com isenção das relativas a produtos alimentícios, matérias-primas, ferramentas, máquinas industriais e outras que devam considerar-se de consumo primário.

Trata-se, pois, da instituição de um regime geral de imposto sobre transacções, em substituição do imposto, ou melhor, dos impostos anteriormente lançados sobre variados produtos e serviços, mas que não constituíam um imposto geral, mas apenas uma medida de emergência, restrita, e não erigida em sistema.

Já nos relatórios das propostas das Leis de Meios para 1961 e 1962 a intenção do Governo neste- domínio fora anunciada, embora se reconhecesse a impossibilidade imediata de estruturar o imposto geral sobre transacções por estarem ainda em curso estudos pertinentes e se considerar indispensável a sua articulação com o regime geral dos impostos directos e particularmente com o regime da contribuição industrial.

Concluída agora, ou em vias de imediata conclusão, a reforma dos impostos directos e certamente levados a termo os estudos necessários, verificam-se as condições suspensivas enunciadas pelo Governo, e chegou o momento da instituição do novo regime de impostos sobre as transacções. Como antecedentes próximos, que terão servido certamente de banco de ensaio para os serviços fiscais, os impostos sobre certas mercadorias ou serviços, estabelecidos nos Decretos-Leis n.ºs 43 763 e 43 764, de 30 de Junho de 1961, reformados posteriormente pelos Decretos-Leis n.ºs 44 235, de 14 de Março de 1962 (novo regime de cobrança do imposto sobre consumos supérfluos ou de luxo), e 44 510, de 16 de Agosto de 1962, que cria um imposto generalizado sobre bebidas engarrafadas e gelados, já constituem, e confessamente, um primeiro passo, embora parcelar e de emergência, para