Os médicos têm mudado de opinião, através dos tempos, sobre o valor relativo dos factores somáticos, sociais e psicológicos na génese da doença.

Cremos aproximar-se o fim da época em que se atribuía a principal importância às causas e efeitos somáticos e em que os médicos deixavam na sua acção de considerar o homem integral, para o tratarem apenas como conjunto de órgãos e aparelhos, à maneira de pecas articuladas de um mecanismo bem estruturado.

Para essa orientação contribuiu fortemente o grande desenvolvimento das ciências físicas e da biologia experimental, com as suas grandes descobertas e com as suas inovações surpreendentes.

Mas, apesar de tudo isso, sentia-se que o problema da saúde do homem não estava completamente esclarecido nem compreendido, e procurou-se encontrar melhor explicação para as relações complexas entre os factores somáticos, sociais e psicológicos.

Assim nasceu a medicina psicossomática, que, no seu avanço e aperfeiçoamento, vem explicando o que parecia inexplicável, vem abrindo caminho a novas e novas doutrinas, que rasgam largos horizontes à medicina preventiva dos males que atormentam sobretudo os países de maior nível, sob o ponto de vista cultural e económico - as doenças mentais.

Tais doenças constituem, na verdade, problema grave de legítima preocupação dos Estados: basta considerar que a taxa da alienação mental é da ordem de l por cento da população e que a percentagem das nevroses - consideradas a partir do momento em que começam a provocar incapacidade parcial - é de cerca de 10 por cento.

Se atendermos a que o factor económico tem porventura a maior responsabilidade em tais números, e se é de prever o seu agravamento com o progresso da chamada civilização actual, compreende-se bem a importância da lei que procura prevenir e tratar as doenças mentais.

Mantendo-se o ritmo de agravamento das perturbações mentais, é legítimo concluir que, em breve, não seria possível ter pessoal nem adquirir material suficiente para tratar as suas vítimas. Quer dizer que, em breve, a medicina curativa seria insuficiente para dominar o mal; o problema está, pois, em o evitar, isto é, em fazer a profilaxia das doenças mentais. Para isso o médico teve de mudar de direcção no exercício da sua arte; teve de cuidar do homem completo, olhando o corpo sim, mas vendo também o espírito; estudando o homem isolado, estudando o homem entre os homens e em sociedade; cuidando o homem doente, encarando 1 o homem são e examinando-o no seu ambiente. Apreciação do ponto de vista jurídico Do ponto de vista jurídico, o projecto em análise levanta problemas vários, alguns dos quais de gravidade e melindre.

De entre as questões jurídicas que um projecto de lei sobre saúde mental suscita, destacamos como mais importantes as três seguintes (1):

A coordenação dos serviços psicossanitários dependentes do Ministério da Saúde e Assistência com os dependentes do Ministério da Justiça;

A gestão do património dos doentes mentais não feridos de incapacidade jurídica;

A protecção da liberdade individual, em face da possibilidade de aplicação, contra vontade do paciente, de medidas de tratamento psiquiátrico. Destes três problemas, o primeiro é afastado, pelo projecto em análise, dos limites do seu objecto. Com efeito, no n.º 3 da base IV exclui-se qualquer intromissão nos domínios reservados aos serviços do Ministério da Justiça (prisionais e de menores).

Que os primeiros permaneçam sob a alçada do Ministério da Justiça, justifica-se inteiramente pela ideia, salientada pelo Prof. Cavaleiro de Ferreira, de que, quanto a eles, ao interesse da cura se sobrepõe, em virtude do perigo criminal, o interesse da defesa social (l).

O regime jurídico em vigor não é totalmente este, devido à integração no Ministério da Justiça de um estabelecimento de fronteira (cuja competência se encontra no limite da que devia, no rigor dos princípios, ser atribuída ao Ministério da Justiça, invadindo já a do Ministério da Saúde e Assistência). Referimo-nos ao Instituto Navarro de Paiva, pelo corpo do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 40701, de 25 de Julho de 1956, destinado «à observação médico-psicológica e ao internamento dos menores delinquentes e indisciplinados do sexo masculino, mentalmente deficientes ou irregulares, sujeitos à jurisdição do tribunal de menores».

Mesmo aqui, porém, a distinção permanece, pelo menos em teoria. A lei distingue entre serviços médico-psicológicos [alínea l) do artigo 21.º da Organização Tutelar de Menores] e serviços de assistência psiquiátrica propriamente dita. Os primeiros podem considerar-se como uma forma-limite de educação correctiva, mais do que uma forma que rigorosamente se deva considerar de tratamento psiquiátrico próprio sensu. Quando este é necessário, o § 2.º do artigo 2.º do atrás citado Decreto-Lei n.º 40 701 dispõe que aos menores cujas anomalias mentais exijam tratamento incompatível com as possibilidades do Instituto serão internados em estabelecimentos psiquiátricos adequados».

(1) A ordem por que se indicam não é necessariamente a da sua importância.

(') Despacho de S. Ex.ª o Ministro da Justiça de 15 de Agosto de 1946, in Boletim Oficial do Ministério da Justiça, ano vi, n.º 87, p. 463. O artigo 124.º da Constituição Política subordina a readaptação social do delinquente, como fim da pena, à defesa da sociedade.