Igual dever de inspecção parece dever impor-se -mas sem periodicidade- ao próprio Instituto de Saúde Mental, para os doentes de todo o País [vide base IV, alínea f), da proposta da Câmara]. Como ficou dito, o regime do projecto quanto à protecção da liberdade individual é sensivelmente o da Lei n.º 2006.e Decreto-Lei n.º 34502.

Este regime tem de ser harmonizado com os princípios gerais adoptados, e pode além disso ser esclarecido e aperfeiçoado.

Para ser examinado em detalhe, convém fazer previamente duas ordens de distinções, cujos termos servirão de material conceptual para a análise subsequente: Distinção de tipos de admissão; Distinção de momentos em que interessa prover à defesa da liberdade individual. A) Distinção de tipos de admissão. - O artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 34 502 estabelece três classificações de admissão de doentes mentais em regime de internamento: Em regime aberto ou em regime fechado; Ordinária ou de urgência; Particular ou oficial.

A mais importante classificação é som dúvida a primeira, que o mesmo decreto-lei (no seguimento, aliás, da base VIII da Lei n.º 2006) resolve pelo critério um tanto vago da atribuição ou não atribuição ao internado das garantias dos admitidos em hospitais comuns (1).

Na admissão em regime aberto não há qualquer perigo de restrição abusiva do direito de liberdade, doente submete-se a ela voluntariamente (no sentido pelo menos do «sem oposição manifestada»), e permanece nela voluntariamente, dado que conserva o direito de saída, tal como os doentes admitidos em hospitais comuns »(2)

Assim, a admissão e internamento em regime aberto 6 dependente da vontade do admitido e internado; a admissão e internamento em regime fechado é independente da vontade do admitido o internado. Esta s distinção essencial entre as duas formas(3).

(1) Das outras classificações feitas polo artigo 52.º, alínea a), a distinção entre admissão ordinária e do urgência explica-se por si a elaborada definição do § 1.º do mesmo artigo diz respeito no regime e não ao conceito) o a distinção entre admissão particular o oficial), pela natureza da entidade requerente, não tem importunei» de maior. Outras classificações só podem, aliás, fazer da admissão o do internamento, o em algumas delas serio mais tardo baseados diferenças do disciplina legal, assim, - a admissão e o internamento podem ser em estabelecimento oficial ou particular, provisória ou definitiva, para observação ou para tratamento, e etc.

(2).Referir-nos-emos sempre aos doentes juridicamente capazes - quanto aos outros, a sua vontade é de jure substituída pela do seu representante legal. E aos «doentes admitidos em hospitais comuna» não contamos os de internamento obrigatório:

Note-se que parece à Câmara dever especificar-se na lei os motivos que podem justificar a admissão e internamento um regime fechado; e que parece u Câmara igualmente útil que, n p»r do internamento em regime fechado - internamento compulsivo - se fale de duas outras matérias afins: o tratamento domiciliar compulsivo, ou em regime fechado, e a chamada compulsiva para tratamento ambulatório ou observação.

Convém apreciar todos estes pontos com alguma demora. Comecemos pelo primeiro: fundamentos legais de internamento em regime fechado.

A Lei n.º 2006, de 11 de Abril de 1945, actual Estatuto da Assistência Psiquiátrica, submete a internamento em regime fechado os sanormais perigosos ou anti-sociais» a que se refere a base XIX (1). Efectivamente, quanto a estes, em face da sua perigosidade ou anti-socialidade, o interesse público justifica que se não atenda para os internar à sua vontade: o .interesse público supre o consentimento do doente (2).

Simplesmente, não se deverá ir mais longe?

Ë certo que o direito de liberdade exige que seja lícito ao doente recusar-se a tratar-se (embora já seja difícil compatibilizar esta ideia com a ilicitude do suicídio, quando a recusa acarreta necessariamente a morte, de outra forma evitável). Mas entende-se que o médico pode tratar o doente (do corpo) sem o seu consentimento quando este o não possa prestar, por estar inconsciente, por exemplo. Ora, os casos de anomalia mental têm afinidade com os casos de inconsciência - são hipóteses em que o doente não pode exprimir uma vontade racional e esclarecida.

Não segue a Câmara esta ideia até ao ponto de entender legítima a imposição do tratamento, invito patiente, em todos os casos de doença ou anomalia mental. Entre ambos os extremos - respeito absoluto pela vontade, ainda que desrazoável, do doente ou desrespeito absoluto pela sua liberdade - escolhe a Câmara um terceiro caminho, médio e balizado.

Só será lícito internar em regime fechado o doente verificando-se cumulativamente os seguintes requisitos:

1.º Provável oposição futura do doente, durante o tratamento. Caso o doente se não oponha (consentindo ou nada fazendo) o regime deve ser aberto. Se desrazoavelmente o doente quiser então sair, poderá a todo o tempo pedir-se a passagem para regime fechado - urgente, se tal for o caso.

2.º lnjustificabilidade dessa oposição. Ë preciso que o doente não dê razão alguma da recusa, ou dê razões claramente privadas de validade.

3.º Ser o tratamento presumivelmente eficaz para a cura ou melhoria do doente.

4.º Tratar-se de doença grave e prejudicial ao próprio doente, quer actualmente grave e prejudicial, quer na sua provável evolução.

(1) Embora a lei possa suscitar neste ponto algumas dúvidas, esta á a solução que parece certa. V. Prof. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, u, p. 462.

(2) O interesse público é mais relevante que a vontade, mas não que o interesse do doente, e por isso o internamento em regime fechado permanece medida de assistência o não de segurança.