E sabem VV. Ex.ªs porquê? Porque na ilha do Fogo - como eu disse aqui o ano passado - se desembarca ainda num primitivismo que choca, em plena era atómica e numa época em que se procura alcançar a própria Lua! Eu senti o perigo na minha pele e tive medo! Mas senti-me, sobretudo, envergonhado, Sr. Presidente! Nós éramos todos portugueses. Estávamos em terra nossa.

Mas eu era assim uma espécie de dono da casa e ninguém pode imaginar quanto me feriu, quanto me doeu, aquela manobra de varar o barco na areia e ver-me antes transportado - eu, o meu bote e os meus companheiros, entre os quais o Sr. Eng.º Carlos Abecasis - às costas de um punhado de homens que se tinham enfiado pelo mar dentro para, depois da sétima onda, segurar a embarcação! Positivamente, temos de acabar com aquela vergonha!

O cais do Fogo, tão ansiosamente esperado, desde há quinhentos anos, pela laboriosa população da ilha, tem de ser uma realidade. Se o não for, manteremos um estado de coisas que desdoura a própria dignidade da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

E ali, Sr. Presidente, é a capital da província, na ilha celeiro do arquipélago!

Já vi o projecto do novo cais a construir. Falta deitar mãos à obra e era agora o momento propício para o fazer. Concluídos os cais do Porto Grande, em S. Vicente, e do Porto Novo, em Santo Antão, seria mais económico aproveitarmos para a Praia a dispendiosíssima maquinaria e utensilagem empregadas para aqueles portos e que ainda se encontram na província, em vez de as deixarmos sair paru depois a transportarmos de novo para Cabo Verde.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Deixo a ponderação do Governo o aproveitamento desta oportunidade que não me parece de desprezar, permitindo-me lembrar que, de resto, a necessidade das obras é urgente. O porto da Praia é o escoadouro da produção da ilha de Santiago e, além de não oferecer nenhuma segurança aos que chegam ou partem, o seu estado actual não anima a agricultura para exportação nem permite qualquer tentativa de industrialização na ilha. Queixam-se os armadores; queixa-se o comércio, queixa-se a população, queixam-se todos, e todos têm razão.

Ao fim e ao cabo, Sr. Presidente, as obras de fomento em Cabo Verde trazem benefícios para toda a Nação, ainda que os descrentes não queiram acreditar.

«Plantando dá» - dizem os nossos irmãos brasileiros. Nós estivemos desde cerca de 1890 a 1942-1948 praticamente parados em Cabo Verde. Como havíamos de colher?

Ora, em vez do desânimo e da descrença; em vez de acudirmos a famintos, quando se impõe, temos de nos capacitar que Cabo Verde, é a chave da nossa permanência em África.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Temos de criar ali condições de vida, se quisermos tirar proveito de uma posição que é nossa e de que não abdicaremos.

Vozes:-Muito bem, muito bem!

O Orador: - Plantando da! Nilo é exacto que tem sido em vão o nosso esforço em. Cabo Verde.

Veja-se, por exemplo,- que promissora esperança é já o cais acostável do Porto Grande de S. Vicente. Há uma companhia interessada em instalar uma refinaria na ilha. Duas companhias com grandes capitais - 250 000 contos cada uma - pretendem explorar em larga escala a indústria de pesca, para o que os mares dás ilhas lhes oferecem óptimas condições.

Se não tivéssemos construído o cais, isso seria possível?

250 000 contos, Sr. Presidente, a empregar por cada uma das empresas, representam, por junto, quase dez anos do orçamento ordinário de Cabo Verde!

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não valeu a pena? O cais não será uma obra reprodutiva?

Se o não soubermos explorar evidentemente que não será ...

Em parêntese e a propósito da pesca, apenas me ocorre uma pergunta - talvez despropositada: porquê juntarem-se as duas empresas numa mesma ilha, onde acabarão em disputa, em vez de se instalar cada uma em sua ilha? Elas são dez ... e há tanta mão-de-obra disponível ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não ficam, todavia, por aqui os aspectos positivos da nossa digressão pelas ilhas. Além do cais acostável do Porto Novo, em Santo Antão, e de uma esplêndida pista de aterragem na Boa Vista, há que referir mais em especial as grandes obras de estradas em curso no arquipélago. São obras com carácter definitivo, estruturadas em planos previamente estudados e que, apesar de muito discutidas e de muita tinta terem feito verter por parte de leigos, mereceram o apoio e aprovação de técnicos de reconhecido mérito.

Acontece, porém, que nenhuma delas está concluída, o que é motivo para sérias apreensões dos meus conterrâneos.

Explico porquê: choveu este ano em Cabo Verde, não tanto como seria para desejar, sendo certo até que as notícias que me chegam do Maio e de S.º Nicolau, por exemplo, suo muito pouco animadoras. Em todo o caso, choveu nalgumas ilhas, e é isso que me preocupa.

Dirão VV. Ex.ªs: mas então choveu em Cabo Verde e você esta preocupado? Isso é um desconchavo ...

Parece ... respondo eu. E que tenho as minhas razões.

Dizem os versos de uma morna - a morna é uma canção típica de Cabo Verde - que nas ilhas, se não chove, morre-se de sede; se chove, morre-se afogado.-

Ora não queria que esta dolorosa alternativa de chover ou não chover se verificasse também na Administração, embora sob um prisma diferente, mas com os factores comuns do desânimo, da descrença e da frustração.