O Sr. Presidente: - V. Ex.ª não insista, porque, como já disse, o Regimento não admite que se estabeleça o debate no período de antes da ordem do dia e custar-me-ia muito ter de lhe retirar a palavra. Mas, também, como já frisei, V. Ex.ª pode pedir a palavra sobre determinada matéria, esta mesmo, para qualquer das sessões subsequentes.

O Sr. Lopes Roseira: - Então peço a V. Ex.ª que me reserve a palavra para a sessão de amanha.

O Sr. Presidente: - Não lhe reservo a palavra. Dar-lhe-ei a palavra em qualquer das sessões subsequentes quando V. Ex.ª ma pedir para tratar de qualquer assunto, mesmo este. Tem a palavra o Sr. Deputado António Santos da Cunha.

O Sr. António Santos da Cunha: - Sr. Presidente: há tempos, o ilustre titular das Obras Públicas, numa das suas frutuosas peregrinações por esse país além, que nunca é demasiado louvar ...

Vozes: -Muito bem!

O Orador: -... visitou a nobre cidade de Guimarães e, na terra-berço da nacionalidade, referiu-se a uma passagem de um sermão do nosso padre António Vieira em que o egrégio jesuíta, dirigindo-se aos Ministros do reino, os adverte de que, mais do que por aquilo que de mal vierem a fazer; terão de dar contas a Deus daquilo que de bom poderiam ter feito e não fizeram.

Lembrei-me nesse momento - eu que sou dos que confiam na misericórdia de Deus mas temo, por igual, a sua justiça - que, de certeza, se Vieira fosse do nosso tempo, não deixaria de bradar aos membros das assembleias que, como esta, têm poderes de representação: tanto ou mais do que por aquilo que de mal disserdes tereis de responder perante Deus por aquilo que de bom poderíeis ter dito e não dissestes. È que a verdade tem direitos inalienáveis. O mal do nosso tempo, dizia há pouco João XXIÏÏ, é a falta de verdade nas relações sociais. A falta de sinceridade nas relações entre os homens, como nas relações entre os povos.

Vozes: - Muito bem!

A fuga dos campos é cada vez maior; ficam a ela agarrados apenas os que não podem fugir:, os velhos, os inválidos, as mulheres e as crianças. Daí resulta que, cada vez mais, vamos de encontro a uma produtividade menosendosa. No alto Minho, referia-me há pouco um zeloso pároco daquelas paragens, tudo vai para a estranja. Roídos de saudade, é certo - quem como o minhoto ama o seu x>rrão natal? -, sujeitos à vida miserável que por vezes já espera, e já aqui por mim foi largamente referida, mas a lei natural a impor-se, a necessidade de viver, a conquista de um lugar ao sol, que nos nossos campos nada deixa vislumbrar para já, nem sequei- de longe. Há terras ao abandono e outras, muitas outras, em vias disso.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Não há medidas de ordem repressiva que possam evitar este mal: só a elevação do viver dessa boa gente para um nível digno o poderá fazer.

Vozes: - Muito bem!

a Orador: - Na verdade, que providências estão tomadas ou se pensa tomar ou se anunciam que possam a sério ir de encontro a esta gravíssima situação que em pouco se tornará irremediável? Não quero, por forma alguma, longe de mim esse intuito, subestimar as medidas de ordem jurídica que, entendo, muito bem foram promulgadas no ano passado. A minha posição perante as mesmas ficou, julgo eu, claramente definida: apoio total. Continuo a acreditar nos efeitos benéficos de uma mudança na estrutura da propriedade agrícola.

Mas á lavoura, a situação dramática que se vive nos campos, não admite delongas, não pode esperar resultados que essas medidas nos hão-de trazer e que, de resto, seriam verdadeiramente insuficientes se desacompanhadas de outras. Sabemos, além do mais, que à disposição dos órgãos competentes não estão postos, nem por certo o poderão estar, os meios necessários para uma acção de larga envergadura que pudesse, na verdade, reflectir-se beneficamente no panorama geral.

Nós os lavradores, temos, pois, o direito de reclamar do Governo um conjunto de medidas imediatas que ponha fim á situação em que nos encontramos. Quando digo imediatas falo na linguagem aflita de quem chama os bombeiros com as labaredas a devorar-lhe a casa.

Fala-se muito na mudança de culturas, na mecanização, nas rotinas dos nossos lavradores, enfim, nos deficiências que se encontram na nossa exploração agrícola. Como pode, no entanto, o lavrador atirar-se para uma política de renovação, que tem por base, forçosamente, o crédito, a amortizar, se os produtos da sua terra, sua única riqueza, não chegam, nem de longe, para cobrir as despesas normais de um casal agrícola e, pelo contrário, se vê obrigado a endividar-se cada vez mais?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Falo por experiência própria e temo, Sr. Presidente - temo muito -, os sábios das abstracções teóricas que nunca tiveram ensejo de calçar uns sapatos velhos e embrenhar-se nos campos.

Vozes:-Muito bem!

O Orador: - A lavoura precisa de crédito, mas crédito barato. Não pode a lavoura suportar o juro de 4,5 por cento, como aquele que generosamente lhe é anunciado.

A crise fundamental da lavoura está no baixo preço por que são pagos ao campo pela cidade os produtos que o mesmo produz.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Fora disto, estamos no campo da poesia, poesia lúgubre, lúgubre porque cheira a finados. As redes de distribuição dos mesmos são onerosas.