Este pensamento, tão profundo e tão humano, há-de sugerir-nos a legenda indiscutivelmente perpétua e indiscutivelmente confirmativa, que deveríamos então, portugueses e brasileiros, gravar imorredoiramente numa das muralhas assombrosas:
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
Gomes da Costa foi herói nas índias, onde lhe não fizeram falta mas lhe não faltaram os grandes exemplos da tradição heróica lusitana, mas onde também - por maus signos nossos - parece que ao depois haviam de esmorecer energias e vigores, sem os quais Portugal se quebranta e diminui e logo por isso deixa de ser igual à verdadeira figura de si mesmo.
Gomes da Costa foi herói das Áfricas, e ali companheiro e émulo de gente grada, não grande pela medida dos balcões o das fazendas, nem pela macieza e comodidade do algodão, mas verdadeiramente grande pelo aço dos caracteres, pela têmpera das espadas, pela galhardia dos cometimentos e dos feitos que só tinham estimativa válida e certa no preço do sangue e na glória de se ter sabido vencer à simples evocação do serviço nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Gomes da Costa foi herói nas terras interiores e civilizadas do próprio continente europeu, durante a primeira grande guerra, e também ali a sua estatura física cresceu e se avolumou para além do arame farpado e das trincheiras, para logo se tornar em símbolo da intensidade de alma e da estatura moral dos portugueses, que não estavam então defendendo terras nem interesses próprios, mas já sim o direito das gentes e as chamadas liberdades da Europa, pois assim então se definiam e lançavam as linhas mestras do ideal na problemática espiritual do tempo.
E aqui mesmo, nas próprias matrizes da terra da Pátria, aqui mesmo Gomes da Costa foi herói, sendo já então tão grandes o poder e o vulto da sua espada que ao erguer-se ela em Braga no 28 de Maio - só, e como sempre à invocação do serviço de Portugal -, para redimir a Pátria da sua desfigurada fisionomia moral, logo o alcance do seu gume se transformou em rectilíneo fio da nacional razão, e aquele sangue de heroísmos em que se havia caldeado pôde vir a ser, por sua autoridade, sangue de resgate e de perspectivas de paz na vida interior de uma pátria sobressaltada e triste, arruinada de meios materiais e morais e, mais além de tudo, quebrada e cindida nas lutas e nos ódios em que se moviam os corações dos homens.
O Sr. Antão Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Tenha a bondade.
O Sr. António Santos da Cunha: - Desejava, se mo permitisse, associar-me às palavras que V. Ex.ª está proferindo e recordar emocionadamente essa hora em que a minha terra, era eu pequenino, mas já sentindo dentro de mim uma alma de português a vibrar de entusiasmo e também de vergonha pela apagada e vil tristeza dos tempos, assistiu a essa gesta magnífica de Gomes da Costa ao levantar a sua espada para dar corpo à revolta da Nação, no dizer do Sr. Presidente do Conselho.
Queria também dizer - é são muito oportunas as suas palavras - que me parece que o País precisa de se enriquecer espiritualmente cada vez mais e, assim, o centenário de Gomes da Costa não poderá passar despercebido.
E posso dizer a V. Ex.ª que pelo menos na minha cidade, a quem a família confiou, há anos, por ocasião da visita do Sr. Presidente do Conselho àquela cidade, a espada de honra que lhe ofereceram os seus amigos de Goa e que tem esta legenda singela «Ao valente capitão Gomes da Costa, os seus amigos de Goa», pelo menos Braga saberá lembrar os homens que em 28 de Maio levantaram as suas espadas para libertar a Nação da tirania democrática a que ela estava sujeita.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Evocar Gomes da Costa é invocar o nome e a presença de uma figura símbolo do soldado português, e neste preciso momento histórico da vida nacional não tendem as nossas palavras a ser nem recordatório, nem saudade, nem simples enunciação histórica de um grande exemplo. O nome de Gomes da Costa trazemo-lo hoje aqui como um acicate, um estímulo, diga-se mesmo uma espadeirada de montante feito de autoridade, de nobreza e de coragem, pois, não obstante os lutos e as misérias da Índia, são luzes de heroísmo e de grandeza as cintilações daquela espada brandida ao sol das batalhas de Portugal no Oriente. Também assim em África, nas lutas do tempo de agora, podem ser tomadas como linhas de inspiração e de rumo as certezas militares e as pessoais audácias humanas de um Gomes da Costa, nobre e bravo, quer o encaremos em si mesmo, quer procuremos vê-lo no extraordinário enquadramento da falange heróica dos seus pares e contemporâneos. E esse corpo gigantesco, que se sobrepunha aos parapeitos da Flandres, era bem a imagem, não apenas do seu destemor, mas do seu valor, que se integrava e caldeava todo ele em símbolos de força e de consciência portuguesas a defender não só os destinos da Europa, mas também os próprios princípios da civilização do Ocidente.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Aqui, então, no próprio húmus da Pátria, a revolta do seu alfange de soldado e a rebeldia das suas estrelas de general são bem o sinal, impreciso sim, e mal definido, mas decisivo, corajoso e afirmativo daquela Revolução que só pretendeu reconduzir Portugal ao rumo natural dos seus destinos, à dignidade e honra do seu passado histórico, ao progredimento na paz de todos os portugueses que não queriam então, como não querem nunca, imaginar que possa soar alguma vez a hora final da Pátria que têm por eterna.
No «espírito do tempo» torna-se por erro grave, em matéria de educação, levar até às novas gerações palavras de conteúdo heróico ou exemplo de homens que fizeram