Pode dizer-se talvez deste diploma que raramente a eficácia e os resultados de uma lei dependeram tanto da sua urgente regulamentação, das verbas postas ao seu serviço, da rapidez na formação do numeroso pessoal técnico que a há-de executar e na sua extensão a todos os distritos do País.

Nas considerações que seguem limitar-me-ei a analisar o problema em alguns aspectos genéricos, no desejo de contribuir para a tomada de consciência que se impõe ao Governo, à Assembleia e à. Nação quanto à necessidade de caminhar-se a ritmo acelerado ao longo das soluções que a nova lei vem preconizar.

Alguns aspectos especializados são, todavia, aliciantes pura quem se debruce sobre este problema: a saúde mental na criança, o combate ao alcoolismo, a gerartria mental, questão posta pelo aumento da população idosa, e os aspectos que no ultramar os problemas de saúde mental revestem Tia população autóctone, como no período do adaptação dos europeus que ali se instalem.

Num dos re latórios do 1.º Congresso Nacional de Saúde Mental lê-se o seguinte:

tensões e conflitos de grupos e, num grau maior, o suicídio, o alcoolismo, as toxicomanias, a vagabundagem, a mendicidade, a prostituição, a delinquência...

De um modo geral - a incapacidade social.

Mais adiante afirma-se:

Cerca de 1 milhão de portugueses necessita de atenção psiquiátrica especializada e ainda outro milhão necessita do tipo de auxílio psiquiátrico que pode ser prestado pelos clínicos gerais.

A estatística judicial portuguesa informa que todos os anos é condenada cerca de 2 por cento da população, pelo que a criminalidade real, o aumento de delitos puníveis, deve andar por 20 por cento. Uma criança em cada 30 tem dificuldades na escola normal.

Nos países de forte concentração urbanística e grande desenvolvimento industrial a frequência das perturbações da saúdo mental atinge proporções assustadoras.

Constituem elas um teste do mundo contemporâneo e das suas condições sociais, da vida trepidante, da desagregação da família, do déracinement e até das cicatrizes psíquicas que em muitos homens deixou a última guerra.

A nossa época, correspondendo a um inédito aceleramento da história, trouxe-nos - com as suas grandes descobertas, com o aperfeiçoamento dos meios de informação e intercomunicação, com o fenómeno de ascensão das massas populacionais e rápidas transformações económico-sociais - uma profunda modificação nas relações humanas. Geram essas condições sociais ambientes de inquietação, sobressalto, fadiga e um estado de tensão emocional colectiva, que parece tornarem-se pouco a pouco elementos sociais permanentes e directamente proporcionais ao progresso material e ao ritmo acelerado de vida.

Tal situação gera nos mais frágeis, mais expostos ou predispostos uma percentagem cada vez maior de desadaptações, de desequilíbrios psíquicos e de anomalias de comportamento.

Nos climas sociais a que me refiro, a juventude, a quem se fez esquecer ou ignorar os valores espirituais e o sentido cristão da vida - sacrificados os dois a um conceito hedonístico da existência -, paga à delinquência, ao alcoolismo, às toxicomanias, às psicoses e, até, ao suicídio, num esforço de trágica evasão mental, a contrapartida desse progresso material acelerado de que resulta por vezes a quebra de equilíbrio entre os dois pólos da pessoa humana.

Felizmente, não tem o nosso posição alarmante em relação a outros países no volume estatístico das doenças mentais. K pequena a sua delinquência orfantil; pouco saliente o número de toxicomanias.

A larga percentagem agrícola da população portuguesa e o facto de esta ser das mais jovens da Europa, sem os problemas graves da gerartria psiq uiátrica, a vida calma dos nossos aglomerados urbanos, tem-nos neste caso protegido contra os males mentais. A verdade, porém, é que, em relação ao conjunto de doenças físicas, as doenças mentais vão assumindo entre nós proporções importantes e prevê-se o seu aumento gradual, à medida que nos aproximarmos das condições sociais dos outros povos. Por isso, há que ganhar agora o tempo perdido e o atraso na promoção da saúde mental em Portugal, sem dúvida um dos mais importantes problemas nacionais.

Como índice desse atraso refira-se que possuímos em todo o País apenas um dispensário de higiene mental infantil - o Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, a quem se deve uma obra notável.

Ora diz-nos um ilustre psiquiatra que 5 por cento de todas as crianças carecem alguma vez na vida de atenções médico-psicológicas, que uma em cada 1000 deve ser seguida num destes dispensários ou clínicas e que por cada 100 000 habitantes deve haver uma instituição deste género. < p> A posição nosológica que ocupamos neste sector da saúde pública permitirá, uma vez lançada uma campanha nacional de saúde mental e ampliados, coordenados e reorganizados os serviços existentes, que se consiga para Portugal uma posição de vanguarda Tia luta contra este mal social.

Dirige-se a promoção da saúde mental à parte mais nobre da pessoa humana e, até na hierarquia dos valores, bem merece posição de relevo em relação às doenças físicas. Ignorar a saúde mental, no dizer de um mestre de psiquiatria, é reduzir os problemas da saúde a um nível veterinário.

Que esta posição hierárquica da saúde mental não nos leve ao exagero de alguns, que consideram a sua obtenção, ao lado da cultura, e somada à saúde física, como a realização integral do homem.