por-se à consideração do País pela dignidade intocável das suas ideias e da sua conduta na vida pública.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: neste ano do centenário do seu nascimento, e a 55 anos do seu trágico fim, bem merece el-rei D. Carlos a aura de prestígio que uma inteligente reabilitação histórica vem criando à volta da sua figura. Ingrato se mostrou o destino desse rei: como que a vida soube comprazer-se em salpicar-lhe o caminho de espinhos, do incompreensão, encharcando-lho, alfim, no próprio sangue. Foi ele, em nosso país, o maior caluniado deste século, talvez, em grande parte, por haver sido um antecipado em relação aos grandes problemas nacionais e possuir, como ninguém no seu tempo, consciência de que toda a acção política superior há-de subordinar-se ao interesse nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Rei constitucional, com inútil, retórica, estéril função moderadora; artista e diplomata, investigador e estadista de méritos reconhecidos; grande em qualquer parte, e, mais ainda, no meio da chateza política do seu tempo; desfrutando, por cultura, por especial intuição, e ainda pela própria posição dinástica, uma perspectiva superior dos problemas e dos interesses de Portugal D. Carlos sempre tentou pôr ao serviço da Nação o conjunto do qualidades que o dotavam singularmente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Fora da política e acima da política, compreendem estes homens como estava sendo jogado o nosso ultramar, em torpíssimas transacções das chancelarias. Ontem como hoje. Urgia ocupar a África, actuar decididamente, marcar presença efectiva, afirmar uma ocupação que pudesse acrescentar-se, como título indesmentível, aos velhos pergaminhos da descoberta e da conquista - agora pretensamente obsoletos e irrelevantes, face a um novo direito internacional, que vai fazendo carreira promissora nos gabinetes ávidos de matérias-primas e de mercados, de espaço e de expansionismo.

Barros Gomes, nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros, baqueara na sua política africana, perante o Ultimato. Seria preciso refazer, recomeçar, pacientemente, uma política. Nesta encruzilhada surgiu o 31 de Janeiro, logo no alvorecer do reinado de D. Carlos. Sobre o monarca, recém-alçado às responsabilidades do trono, se pretendeu, então, fazer recair todo o odioso; sobre a instituição se pretendeu açular o ódio das multidões, desvairadas por compreensível e justificada reacção patriótica.

Certo doutrinador francês fez ressaltar um dia, reagindo virilmente e lucidamente contra sucessivas mistificações, que a história da França deve ser concebida e escrita par rapport à la France. E explanava: «par rapport à la France, e não a uma ideia preconcebida a propósito da França, à ideia de liberdade, à ideia de humanidade, à ideia de justiça, por mais notáveis e belas que sejam essas ideias». Continuava, depois: par rapport à la France, e não a tal ou tal elemento da nação francesa, seja ele do Sul ou do Norte, do Este ou do Oeste, nem par rapport a tal ou tal ingrediente francês, celta, latino ou franco.

Ocorrem-nos estas palavras de Charles Maurras precisamente a-propósito do 31 de Janeiro. Maurras padece, é certo, do defeito de estar antiquado, segundo ouvimos a certas mentalidades progressivas ...

O Sr. Pinto de Mesquita: - Isso é que só o futuro poderá esclarecer.

O Orador: - ... Nem por isso deixará de convir-se em que aquela sua observação é certa e escorreita, como árvore de bom cerne.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Na mesma ordem de ideias, o 31 de Janeiro há-de ser julgado em função de Portugal, e não em função desta ou daquela predilecção partidária, por mais simpática ou por mais respeitável que seja.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A crise africana vinha a ser, de longo, explorada partidaristamente contra a monarquia. Barros Gomes, à frente da pasta dos Estrangeiros, foi de um patriotismo inexcedível, chegando a ser considerado pela Inglaterra o mais tenaz e poderoso obstáculo às suas pretensões. Os jornais de Londres foram a ponto de aconselhar D. Carlos a demiti-lo, alegando que essa demissão facilitaria o acordo entre os dois países. Ele foi, com efeito, durante quatro anos, o maior obstáculo às cobiças inglesas e às suas tentativas de espoliação. Caiu com o Ultimato, mas caiu de pé, obrigando o Governo de Lorde Salisbury a recorrer à razão da força, pois que a lúcida firmeza do chefe da nossa diplomacia lhe desfizera, pedra a pedra, todo o edifício de sofisticada argumentação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Cedeu perante a força, cedemos perante a força. Pois a propaganda, ainda durante a fase das negociações, explorava os acontecimentos, fazendo correr o boato de que Barros Gomes teria confidenciado, aos nossos diplomatas nas capitais estrangeiras, que se Portugal reagia tão energicamente isso era devido à necessidade de impedir o partido republicano de explorar a situação contra a monarquia!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E quando caiu o Ministério, por via do Ultimato, grupos de populares foram ofendê-lo, diante da sua própria casa, gritando vivas à Pátria, como se não estivessem perante um português de lei, patriota como poucos! Pagaram-lhe com insultos e pedradas a