Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para efectivar o seu aviso prévio sobre acidentes de viação o Sr. Deputado Cancella de Abreu.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: o problema que me propus apreciar nesta minha nova intervenção, ou seja o dos acidentes de viação, relaciona-se com a natureza e a utilização dos transportes terrestres, e nomeadamente com o emprego e o ritmo das velocidades e sua evolução, sempre compreensivelmente progressiva e denotando a toda a luz que a preocupação dominante desde, tempos imemoriais foi a do seu aperfeiçoamento e da sua aceleração, tendo-se, através desta, objectivo de encurtar, no tempo, os espaços geográficos.

Os próprios romanos construíram as suas estradas estratégicas tendo já em vista a possibilidade da rapidez no acesso.

Não deixaria, portanto, de ser curioso um apontamento sobre aquela evolução desde os tempos primitivos até à vertigem da actual era do jacto. Mas, como não posso nem desejo ser demasiadamente extenso, limitar-me-ei a uma breve referência a alguns dos aspectos que mais denunciam aquela evolução.

Possuo em minha casa umas pequenas gravuras inglesas, que representam diversas modalidades dos antigos meios de transporte em Portugal. Numa delas - que já vi reproduzida - um almocreve dorme estirado sobre o dorso de um resignado jumento, que lentamente transporta, em largos alforges, o correio entre Lisboa e o Porto.

A sua frente, mais além, segue montado um guia, que, interrogando um camponês, se orienta sobre as veredas ou picadas que por mais perto os conduzam ao seu destino.

Noutra gravura, é figurada uma liteira onde duas muares atreladas aos varais conduzem de longada uma sócia, enlevada pelas melodias da guitarra que o sota, montado ao invés, vai tangendo e, assim, a distrai da monotonia da extensa caminhada empreendida; música esta que bem podia ter sido a precursora da radiodifusão ambulante que hoje tanto nos acicata ao volante com as vibrantes irradiações apropriadas da Cavalgada das Valquírias ...

Todavia, então viajava-se especialmente a pé, a meia dúzia de quilómetros à hora; e, por isso, num interessante esboço histórico dos caminhos de ferro portugueses, o engenheiro Frederico Abragão anotou que o primeiro agente do transportes de que o homem se deve ter servido teria sido ... ele próprio.

Mas empregavam-se também as bestas de carga, em estafetas de quatro léguas, «a passo de almocreve», ou, como também se dizia, «a unhas de cavalo»; e acrescentava-se que o pobre caminhava e o rico cavalgava.

Houve depois a cadeirinha, conduzida a pulso, c, após a liteira, surgem, através do tempo, o coche, a berlinda e a sege, na qual de Lisboa ao Porto era difícil gastar menos de cinco a seis dias. Eu mesmo ainda me recordo de um velho e pesado carroção, arrastado por pachorrentos bois, onde meu Avô me conduziu ao teatro da minha terra, para ver o grande actor Vale n´O Diabo atrás da

Porta! ...

Veio em seguida a diligência, e, então, existiu, entre nós, a afamada mala-posta.

A primeira era para o Norte.

Os seus seis a oito passageiros e o correio eram transportados, Tejo acima, até ao Carregado, e depois, desde aqui, primeiramente a Coimbra e mais tarde ao Porto, o que tudo perfazia um percurso total de cerca de 300 km feito em 46 horas, com paragens e mudas em 23 estações, de algumas das quais existem vestígios por aí além. E tão perfeito se tornou para a época esse serviço que criou fama de ser o melhor em toda a parte.

Mas era arriscada e incómoda a jornada, e, por isso, antes de partir, havia o hábito de fazer testamento e encomendar a alma a Deus, precauções que, aliás, hoje em dia, ainda eram mais de recomendar, embora bem diversos sejam os motivos ...

António Nobre lá se lhe refere nos conhecidos versos do Só:

E o carro ia aos solavancos.

Os passageiros, todos brancos

Ressonavam nos seus gabões;

E ou ia alerta olhando a estrada,

Que em certo sítio na Travoada,

Costumavam sair ladrões.

E Joaquim Leitão descreveu-a em boa prosa nos Deuses do Lar:

As mala-postas tinham postilhão na sua percha, condutor alerta, sacos de correio com alforges, baús de folha e arcazes ponteados de taxas amarelas e cestarolas de merendeiros, tudo acomodado no tejadilho, debaixo do encerado. Dentro, os oito passageiros de 1.ª classe aconchegavam os seus capotes de camelão e atavam por baixo do queixo as fitas dos bonés de orelhas.

Porém, inconformado com a poesia e a literatura, o progresso tomou marcha acelerada e conduziu-nos rapidamente à, era da ferrovia, que entre nós encontrou vigoroso impulso no grande estadista que foi Fontes Pereira de Melo.

O resto todos o sabem.

Em 28 de Outubro de 1856, El-Rei D. Pedro V inaugurou o troço da linha do Norte, de Lisboa ao Carregado, gastando 40 minutos num percurso de 87 km; e isto realizado com alguns percalços, o que não surpreende, pois, tendo o primeiro caminho de ferro conhecido sido inaugurado em 1825, só em 1840 se atingiu a velocidade média de 40 km/h.. em 1900 a de 75 km, em 1910 a de 90 km e apenas em 1935 se atingiu a média de 130 km bem contados.

E assim, à medida que se iam aumentando as linhas férreas, e não obstante a construção intensiva de estradas transitáveis, foram desaparecendo os antiquados transportes rodoviários, e a própria mala-posta, que só em 1859 havia de atingir o Porto, prevaleceu apenas durante pouco mais de cinco anos e unicamente desde o Carregado até aquela cidade, depois de ter existido quatro anos no percurso do Carregado a Coimbra.

Lá, como em toda a parte, o comboio vencia, pela ligeireza e pelo conforto, todos os antiquados e lentos meios de transporte.