A toda a hora os centros provincianos são cortados a 60 km e mais à hora por grandes camiões de carga, buzinando furiosamente. Mesmo de madrugada, de uma ponta à outra de uma vila, aquelas grandes máquinas com alarmes potentes afirmam a sua passagem sem respeito.
No turbilhão da investida a Polícia não acode pronta ou não pode agir eficientemente, ou então testemunha apenas o absurdo da vida hodierna.
A Guarda republicana, uma força eficiente e modelar, que produzia reais esforços para que as leis não fossem letra morta, foi reduzida às condições mais que modestas de polícia rural, tendo de assistir sem prever e menos ainda remediar.
As autoridades locais?
Parece não disporem de força jurídica para contrabater as violações da lei e os desregramentos.
Há a falsa sensação de que os grandes veículos dominam as estradas.
Uma das razões da estatística dos acidentes é o exclusivismo a que são levados os condutores de pesados.
Durante anos e anos, nos concelhos de Trancoso e Celorico viajava um grande Packard, que pertencera à artilharia pesada, que o general Pershing trouxera para o front, em França, por 1917.
Toda a estrada era sua.
Ele não tinha que se desviar, dizia o seu proprietário. Os outros é que deviam abrir-lhe passagem.
Alcandorado lá no alto, nada o podia atingir nessa quadra longínqua.
Este estado de espírito não parece excepção, podendo dizer-se que é frequente.
Mas há mais.
O veículo de carga, movido a velocidade frenética, toma conta das curvas, bloqueia o movimento, obriga os que o cruzam a manobras marginais ou extremas, tolhe o movimento do lado e pela frente.
Sucede que, apertando com o movimento, dificultando o trânsito, eliminando as perspectivas, deixando aos vizinhos apenas uma faixa estreita nos lances da conjuntura, o camião pesado é ainda responsável por acidentes e sinistros que parecerão proceder de imperícias, travagens ou comando defeituoso.
Portanto, além do que só vê há ainda o que se não vê.
Este estado de coisas carece de ser realmente enfrentado, não obstante algumas alegações correntes.
Apela-se para o estado das estradas, para a sua deficiente consistência e asfaltagem, para a estreiteza das faixas de rolagem, para as covas e sub-rodas.
Mas estas circunstâncias obrigam por si a uma condução cautelosa e moderada.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Muito bem!
O Orador: - Apela-se para as exigências empresariais, que levam a relegar horários, a ganhar tempo e atam o que conduz muitas horas seguidas.
Um abuso nunca desculpará outro.
Numa época de organização e disciplina corporativa e de respeito pelo homem que trabalha, de intervenção constante das autoridades, não se compreende que assim possa ser e que, se assim é, tal estado persista e continue.
Alega-se a necessidade de praticar velocidades superiores para não perder embalagem e galgar as rampas.
Parece que, dotados os carros de aperfeiçoamentos de toda a ordem, estes percalços não obrigam a práticas perigosas.
Outras alegações ainda sobre a falta de domínio, marcha irresistível, travagens difíceis, etc., são pormenores que à justiça incumbe verificar.
Deram-se há dois anos nada menos de 160 acidentes mortais motivados na camionagem de carga.
A estatística dos transportes terrestres confirma as observações gerais e a indignação geral.
Havia em 1961 rolando nas estradas:
Automóveis ligeiros de passageiros .......164 146
Os automóveis pesados eram quase um décimo do número dos automóveis ligeiros. Pois a estatística dos acidentes revelava estes números:
Apesar do seu número relativo, apesar de os veículos automóveis de carga representarem um décimo do parque automóvel ligeiro, o número de acidentes mortais era de metade - 160 para 386, provocados por um décimo de viaturas.
Estes números julgo-os tão evidentes e trágicos que me recuso a comentá-los.
Também os lesionados, em geral, se comportavam na proporção de um para oito, bastante mais que um décimo.
Não quero desviar-me do meu assunto e lamento que os que estudaram, discutiram e comentaram o problema o não tivessem referido com o destaque que merece.
Os escritores, técnicos e especialistas preconizam várias medidas, aliás, muito conhecidas e discutidas.
Os camiões de carga circulariam de noite e não descarregariam nas grandes cidades senão de noite também.
Seriam sujeitos a estranguladores que lhes não permitissem passar dos limites de velocidade previstos nas leis
Os veículos de carga teriam um limite único, 40, 45 ou mesmo 50 km à hora.
E os seus condutores precisariam de dar provas mais completas de idoneidade profissional e de atenção para com os outros.
Seguro obrigatório?
Talvez. Mas depois de a lei vir aqui, para ser debatida, na plena pormenorização de todos os interesses e explicado por que sendo ruim o negócio tantos o querem.
Mais polícia?
518 agentes com 152 automóveis e motociclos poderiam à vontade eliminar os malefícios mais que visíveis dos camiões em delírio de velocidade.
Uma política humanista que combine a base social com os direitos e garantias fundamentais da pessoa deve assegurar o grande dom de Deus que é a vida e a integridade, que consubstancia todos os demais direitos.
Uma política humanista e de solidariedade social tem de ser humanitária - piedade com os fracos e com os descuidados, defesa dos que cruzam as estradas, sejam eles quem sejam, pois a sua vida e integridade física é um bem sem estimativa nem preço. Os que têm sofrido e os que não escaparam à sanha dos volantes ou à pura infelicidade merecem respeito, e atenção, e deve-se corresponder-lhes de forma resolutiva.