Quero referir-me ao pretenso patriotismo com que só veio denunciar o plano de uma pequena exportação de borregos, que agora e até à Primavera constituem importante produto da ovinicultura.

Calcula-se em perto de 3 milhões o número de borregos postos à venda para matança em cada ano e que proporcionam ao público um abastecimento de carne muito apreciada, como é em regra a de todos os animais jovens. O seu preço de venda pela lavoura costuma começar por 8$ ou 9$ por quilograma de peso vivo, descendo à medida que aumenta a oferta; no ano passado chegaram a apenas 6$ no auge das vendas.

Não consta, porém, que o preço da venda da respectiva carne ao público, preço que, aliás, é livre, tenha acompanhado, sequer de longe, a baixa do custo de compra, o que legitima a presunção de tais baixas serem essencialmente em benefício dos comerciantes da carne, e por extensão a desconfiança de que os contrarie tudo quanto possa tender a manter a animação do mercado das reses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora este ano a lavoura encontrou no estrangeiro comprador para uma pequena partida de borregos: a licença de exportação que pediu foi para 45 000 animais, mas parece certo que não se excederão os 25 000, ou seja, menos de 1 por cento das disponibilidades para venda. O preço médio prevê-se que fique em 11$ por quilograma de peso vivo: nenhuma grande ucharia, mas um fermento animador, de real interesse.

Sucede que o destinatário final será a Argélia, país cujas relações diplomáticas connosco são bem conhecidas: e de que se há-de lembrar alguém, porventura na busca de pretexto para sustar uma exportação que poderia estragar negócios cá dentro? Pois de agitar os sentimentos mais respeitáveis, denunciando a exportação como antipatriótica! E já amigos meus vieram até mim, usando de adjectivos que me dispensarei de repetir, increpando, como dizem, o propósito de engordar os argelinos com carnes dos nossos gados.

Ora convém lembrar que Portugal tem outros negócios

O Sr. António Santos da Cunha: - Isso é ridículo!

O Orador: - Perante tempestade tão evidentemente em copo de água não será lícito pensar em manobra de interesses inconfessados? Se tal é, e se continuar, daqui aviso o Governo e o País: dentro de dias far-se-á faltar a carne de carneiro em Lisboa, se não noutras partes, porque foi tudo para a Argélia!

Vali-me deste exemplo, não só para amenizar um discurso necessariamente pesado, mas para ilustrar como é fácil e frequente envenenar perante o público a posição dos produtores agrícolas. Na perspectiva da inevitável actualização dos preços de venda dos géneros produzidos no campo todos os portugueses de boa vontade terão de estar preparados contra malsinações interessadas.

Mas não deverá ser pelo temor destas, em regra fáceis de destruir com a simples verdade, que se há-de sobrestar na revisão de valores há muito devida.

Tenho dito, Sr. Presidente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

O Sr. Presidente: -Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu acerca de acidentes de viação.

Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Meireles.

O Sr. Alberto Meireles: - Sr. Presidente: decididamente não tem, não poderia ter, o desconsolado gosto do «referido chá de Tolentino» (não obstante receá-lo com fina ironia o ilustre autor deste aviso prévio) o debate, aberto de novo nesta Assembleia sobre acidentes de viação.

Pelo contrário, direi considerá-lo de cada vez mais actual e oportuno, na medida em que, paralelamente à crescente circulação rodoviária, vai subindo a sinistralidade por essas estradas e ruas de Portugal. A iniciativa do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu é assim digna de aplauso e da homenagem que gostosamente rendo à sua infatigável actividade parlamentar, que vem de longe, mas continua sempre viva, não obstante as desilusões e lutas em que o seu carácter e arcaboico de lutador intemerato o impuseram à admiração geral.

É-me grato de resto trazer a este debate alguma despretensiosa achega, pois desde a minha adolescência que transpus para o mundo motorizado o entusiasmo pelas coisas do hipismo, então dominante. E destes 30 anos de constante e intensa utilização do automóvel, através de muitas centenas de milhares de quilómetros percorridos conduzindo, e não poucos milhares por estradas da Europa Ocidental, terei adquirido alguma experiência, útil até para mais fácil compreensão da grande maioria dos feitos judiciais sobre que tenho de debruçar-me desde há meia dúzia de anos, e que respeitam exactamente às consequências assistenciais de acidentes de viação.

Sr. Presidente: a circulação de veículos motorizados tomou tal incremento no mundo civilizado, principalmente a partir do segundo quartel deste século, que pode considerar-se um dos seus fenómenos caracterizadores.

Desde que em 1889 o engenheiro francês Serpollet criou o primeiro tipo de automóvel susceptível de utilização prática e que seis anos depois outro francês, René Gillet, conseguiu adaptar um motor a uma bicicleta, estava aberto o caminho para um surto de motorização cujas proporções n inguém, no entanto, poderia visionar.

Já em 1925 circulavam no Mundo inteiro pouco menos de 24 500 000 veículos automóveis, mas, desses, quase 20 000 000 constituíam o quinhão monstruoso dos Estados Unidos da América. A Grã-Bretanha, por seu lado, dispunha apenas de 853 000 e a França de 763 000 veículos.