Refiro-me ao facto, passado comigo no 3.º cartório notarial de Coimbra, no dia 12 do corrente, de aí me ter sido negado o reconhecimento de uma minha assinatura aposta num substabelecimento feito numa procuração passada em Angola com o fundamento de que «o papel selado de Angola não tem. validade legal aqui».

Deste modo, é evidente que o actual conceito de unidade nacional tem de sofrer na prática, e pelo menos no aspecto económico, uma correcção imediata tendente a conceder-lhe autenticidade na reciprocidade, porquanto não pode haver, nem há, unidade enquanto a igualdade entre as diversas parcelas da Nação for meramente nominal ao menos em muitos e muitos aspectos da vida de todos os dias.

No que concerne à descentralização administrativa, e sabido que é à ineptidão, inércia ou deliberado emperramento do Ministério do Ultramar que são atribuídos muitos dos graves erros de que neste momento estamos a sofrer as inevitáveis consequências, parece indicado dar-se por assente, e desde já, que a descentralização que se reclama tem de ser uma autêntica descentralização, sem parágrafos a entravar a doutrina de eventuais salutares artigos e sem leis especiais a derrogarem o conteúdo de bases gerais previamente estabelecidas.

É que as populações do ultramar, que de há muito têm os olhos postos nos trabalhos desta Assembleia relacionados com a revisão da Lei Orgânica, sabem, de ciência certa, que só uma descentralização efectiva, real e no mais alto grau - e a que, aliás, as realidades do vendaval africano poderão até impor que venha a ser, em certa medida e muito em breve, uma descentralização política - ...

O Sr. Armando Cândido: - Descentralização política como?

O Orador: - Não sei.

Vozes: - Não sabe nada.

O Orador: - ... não obstante serem constantemente atraiçoadas por aqueles a quem, competindo defender os interesses da grei, outra coisa não têm feito senão defender as suas cómodas posições.

Ora tais anseios, que se me afiguram inteiramente legítimos e plenamente integrados no condicionalismo de base enunciado, começarão por ser, e desde já, atraiçoados se a projectada reforma não vier, afinal, a traduzir uma descentralização mais ampla do que a ora preconizada, já na proposta do Governo, já no parecer da Câmara Corporativa, até porque nem neste nem naquela se advoga sequer uma mais ampla e autêntica descentralização ou, a ter de entender-se que assim é, não pode haver dúvida de que tais preceitos não traduzem ainda o mínimo dos mínimos do que nos é legítimo pedir e que ninguém tem o direito de recusar.

Portanto, e muito embora devesse ter-se sempre presente, na frase de Almeida Garrett, que «quando há um mal de base cada dia que se demora a estirpá-lo agrava a moléstia e consome as forças que são necessárias para resistir ao mal e à cura», o que me parece poder constatar é que se prefere ignorar a existência desse mal.

E a ser assim, e devendo entender-se também que a governação ainda se não mostra inclinada a fazer política ultramarina autêntica em benefício da grei, ...

Vozes: - Não apoiado, não apoiado!

O Orador: - ... preferindo antes continuar a sujeitá-la à sua política, que os pressupostos reais que importaria terem sido equacionados não são os que a romântica proposta do Governo deixa entrever e, ainda, que é forçoso que nunca se percam de vista os novos rumos da política internacional, a agitação social que varre a África e as pressões internas e externas reinantes no ultramar, para ser coerente com essas realidades e consciente da minha ^responsabilidade no desempenho deste mandato, não poderei deixar de fazer coro com as calorosas manifestações de protesto que do ultramar têm chegado até mim e abertamente declarar que rejeito a proposta de lei na sua generalidade e que de todo me absterei de participar na sua discussão na especialidade.

Tenho dito.

Vozes: - Muito mal, muito mal!

O Sr. Martins da Cruz: - Sr. Presidente: ao meu entendimento afigura-se que a presente proposta de lei é, sem dúvida, a de maior relevância e delicadeza de quantas nos temos ocupado na presente legislatura.

Portugal está a escrever uma página vibrante e agitada da sua história e também da própria história da humanidade.

Ora a proposta de lei que apreciamos insere-se nessa página e, quer queiramos, quer não, quer tenhamos consciência dessa participação, quer ela nos passe despercebida, o certo é que a ela vincularemos esta Câmara, esta Câmara que constituímos em representação nacional.

A responsabilidade que por aí nos toca, a natureza e o melindre das soluções que temos de escolher, as incidências que por elas vamos pôr na condução dos negócios públicos nacionais-ultramarmos, terão criado no meu espírito a tensão que me ia impedindo de subir a esta tribuna.

A ela somava-se ainda a confusão labiríntica em que me lançaram correntes e contracorrentes de opinião a perturbar a clareza que eu supunha possuir a propósito do que julgo uma ideia-força, uma constante límpida e sonora da nossa multissecular colonização.

Sinto-me, com efeito, algo confundido nas minhas ideias simples, de simples homem da rua, quando escutei profundas considerações sobre métodos novos, que não sei se terei logrado apreender completamente, e discorriam sobre a integração, subdividida em integração estática e integração dinâmica, contraposta à descentralização, integrada por sua vez nas ideias complementares de descentralização provincial e descentralização local e justaposta ainda à desconcentração, também esta ciosa de duplo