O Orador: - Permita-se-me recordar, relativamente a este ponto, o que, ainda não há muitos dias, aqui pude referir, em aplaudente aparte ao ilustre Deputado Sr. Major Sousa Meneses:

Em conversa com um colega estrangeiro nos corredores da sede da N. A. T. O., perguntava-me este, recentemente: «Em que medida os acontecimentos de Angola têm prejudicado a vossa política de investimentos para o desenvolvimento económico de Portugal? Em quanto tiveram vocês de aumentar a dívida pública interna para financiarem a defesa ultramarina? E até onde terá esta feito aparecer o fenómeno inflacionista?».

Pude dar-lhe, como então acentuei, uma tranquilizadora e, para ele, espantosa resposta. Respondeu-me, por sua vez, com visível contentamento: «Je suis ravi».

Vozes: -Muito bem, muito bem!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Desviei-me um pouco, Sr. Presidente, do fio lógico das minhas considerações. Há que reverter ao tema.

Queria eu dizer, Sr. Presidente, que a oportunidade da proposta a criámos nós próprios de algum modo, na medida em que os resultados da nossa acção civilizadora, em seus aspectos espiritual e material, possibilitam e porventura aconselham o passo que nos propomos dar - espero que com a prudência aconselhável. Damo-lo como quem, no meio das dificuldades da guerra e das ameaças de guerra, procura trabalhar habitualmente, sem afrouxar o ritmo da vida da administração pública. Por outras palavras: a proposta não nasceu, rigorosamente, da contingências advindas do mundo exterior, mas nasceu apesar dessas contingências.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Feitas estas breves e desataviadas considerações sobre a oportunidade da proposta, cabe agora averiguar se é possível descobrir nela uma linha de rumo, quero dizer, um princípio informador ou uma nota de tipicidade ou, ainda por outras palavras, uma economia caracterizada.

Creio que sim. Encontro efectivamente, na mecânica da proposta, alguns aspectos salientes, todos relevando do mesmo pensamento dominante. Resumi-los-ei assim: Descentraliza-se em grau considerável a vida administrativa das províncias;

b) Alarga-se notavelmente o direito de a opinião e os interesses provinciais intervirem na feitura da legislação de interesse local, reestruturando-se, em moldes para o efeito julgados adequados, os órgãos competentes;

c) Reduz-se a quase ténue laço a intervenção da metrópole na organização dos orçamentos provinciais e na fiscalização ou superintendência da sua execução.

Tenho para mim que, consideradas em si mesmas, como valores absolutos, a descentralização administrativa, a especialização das leis e a autonomia financeira, além de estarem na boa tradição da nossa política ultramarina, estão também na própria natureza das coisas. Desde que se trata de grupos populacionais diferentes e dispersos, cada um com problemas específicos e tendências características, não parece que possa ou deva ser de outra sorte - sem com isto se comprometer necessariamente a unidade política da Nação, um pouco da mesma sorte que em nada ela é tocada pela competência própria dos municípios na estruturação dos quadros do seu funcionalismo, no direito de estatuírem as suas portarias, na elaboração e execução autónomas dos seus orçamentos, na organização dos seus planos de actividade concelhia.

Pretender de modo diverso seria como que conceber um rígido colete-de-forças, ao sabor dos nossos sentimentos preferenciais ou do irrealismo das nossas concepções teóricas (por mais sedutoras e almejadas que se nos afigurem), para meter dentro dele todo o complexo de uma vida social estuante.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O resultado final seria ao invés do pretendido com a mais louvável das intenções: as sufocadas energias da vida social, sempre em crescimento, fariam estalar o incontido artifício do colete. Pretendo com isto dizer, Sr. Presidente, que um filósofo pode entregar-se livremente ao prazer intelectual dos seus pensamentos e fazê-los rondar no espaço ilimitado da sua imaginação, como quem faz viagens à volta do seu quarto, segundo a feliz expressão de Xavier de Maistre; mas quem governa e tem de legislar há-de acomodar-se à tarefa penosa de se debruçar atentamente sobre as necessidades do complexo da vida real, para as satisfazer na medida conveniente e as canalizar na medida possível, fazendo um esforço simultaneamente de cedência e de domínio.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - No problema de que nos estamos a ocupar, o ponto de crise é saber-se até onde os apontados aspectos devem julgar-se comportáveis - de um lado, pela capacidade das élites sociais, que naturalmente se foram desenvolvendo no ultramar, o pelo clima do sã administração e activo progresso til I implantado ou desenvolvido nas últimas décadas; de outro lado, pela virtude da prudência que deverá informar o próprio sistema descentralizador.

Ao primeiro ponto interessa o exame. objectivo da panorâmica social; ao segundo importa que os órgãos centrais sejam exclusivamente os criadores das grandes estruturas jurídicas e os definidores das respectivas competências, a que deverão marcar-se limites razoáveis. (Temo, por exemplo, que a adopção de certas soluções, cuja bondade sinceramente se inculcou, uma ou outra vez, nesta tribuna, pudesse fazer resvalar num plano inclinado de pericolosidade para a unidade política da Nação. E afirmo, sem hesitar, que, por exemplo, tornai-os órgãos legislativos locais detentores da plenitude da