celas. Fazê-lo seria uma injustiça, Sr. Presidente, e é por isso que se ergue nesta Câmara a voz modesta, mas sincera, do representante da província para prestar a esses servidores as mais vivas homenagens de muito apreço, pela sua inegável e proveitosa contribuição para o desenvolvimento das nossas ilhas, onde todos indistintamente, brancos, pretos ou mestiços, honram e prestigiam a Pátria comum.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

facilidade que não existe.

Depois, o funcionário que vai para Cabo Verde, sabe Deus em que estado de espírito, chega lá e sente-se logrado: além de não encontrar nada que se compare com as galinhas de ovos de ouro com que o enganaram, ainda tem de pagar pelo dobro, se não pelo triplo, os géneros de primeira necessidade para o seu passadio, quase todos importados. E então desespera-se, porque mesmo apertando ao máximo o dinheiro não lhe chega.

Nós, os naturais que teimamos em ficar, não obstante a ânsia de partir, vemo-nos a braços com o mesmíssimo problema.

Só não parte quem não pode ... ou teima em ficar, apesar de tudo.

Querer ficar e ter de partir ou querer partir e ter de ficar, eis as alternativas, nostálgica e dolorosa, que a todos perseguem.

No fundo, a partida, novos horizontes, a terra longe a tentar em obsidiante esperança de um melhor viver.

Desta situação resulta um ambiente de constante indisposição, de surda má vontade, de permanente preocupação, a que é preciso pôr cobro. Não é que os servidores não cumpram - já o disse -, mas uma coisa é «cumprir», outra é «servir» e bem. Em Cabo Verde, onde somos poucos, é preciso devoção à causa pública, voluntário espírito de sacrifício.

Ora, não pode dar tudo por tudo, por mais esforços que faça e por maior que seja a sua boa vontade, quem está subalimentado, como acontece nas hierarquias mais baixas e até nas médias, ou tem constantes preocupações materiais e que a todo o momento espreita a ocasião propícia para a evasão.

A situação é sumamente desagradável e chocante. Todos nos sentimos diminuídos. A mim confrangem-me as queixas dos altos funcionários, porque têm inteira razão. Não há roda de café, não se forma um grupo sem que venha à baila a questão dos vencimentos. Chega a ser desprestigiante. Mas se é assim nas hierarquias superiores, calculem VV. Ex.ªs o que não sucederá nas categorias mais modestas! Dói, realmente, a situação dos mais pequeninos. Esses não se queixam, mas vejo-lhes espelhado no rosto o drama do seu viver e custa ter a certeza de que trabalham sem o café da manhã ou que não tiveram o suficiente para comer sequer a cachupa do almoço.

Precisamos de acabar com este estado de coisas, Sr. Presidente.

A solução está em se pagar o que a lei determina que se pague a cada servidor. Os funcionários de Cabo Verde não pretendem outra solução senão essa. Não é muito o que a lei manda pagar, mas é alguma coisa, e do mal o menor ...

Ora, a lei manda pagar um vencimento complementar, já de si baixo, mas que não se paga. A lei manda pagar um abono de família que, além de baixo, só se paga em parte. E certo que essa mesma lei condiciona os referidos pagamentos às disponibilidades orçamentais, mas certo é também que não me parece lógico, nem curial, afirmar-se ou concluir-se que tais disponibilidades não existem.

Com efeito, segundo informações obtidas, o encargo resultante do pagamento do vencimento complementar e do abono de família é da ordem dos 2000 a 2500 contos. Mas admitamos que sejam 3000.

O que se passa então?

O que se passa é isto, Sr. Presidente: a partir de 1959, ano em que se publicou a lei, as contas de exercício da província foram encerradas com saldos positivos, que atingiram 4542 contos em 1959, 6650 contos em 1960 e 4135 contos em 1961.

Estes números são expressivos, mas eu não me dediquei às finanças e do que aprendi no Campo de Santana - mal por culpa minha - pouco resta. Por isso, pus o caso aos técnicos da Fazenda, manifestando a minha estranheza por não se pagarem os vencimentos devidos aos funcionários, parecendo-me pouco justificável a existência dos saldos apontados sem que se desse satisfação às necessidades prementes do funcionalismo.

De lá disseram-me que, sendo tais vencimentos despesas ordinárias, não se lhes podia fazer face com os saldos, pois estes constituem receita extraordinária.

De acordo. Até aí chega a minha ignorância. Mas, pergunto: será extraordinária uma receita que se repete desde 1959, aliás em continuação do que já vinha sucedendo antes?

Essa é a minha dúvida.

Mais: se o orçamento da província suportou nos últimos três anos um aumento de despesas da ordem dos 10 000 contos, com um aumento de receitas que não só deu cobertura aos novos encargos criados, como até permitiu encerrar as contas de exercício com saldos apreciáveis, como se justificam tais saldos? Como foi possível conseguir 10 000 contos para os novos encargos, sem se conseguir a necessária contrapartida para pagar aos servidores o que lhes é devido?

O mal estará na parcimónia da previsão das receitas ordinárias? No receio de as calcular na sua verdadeira substância?

Não o posso afirmar concretamente, Sr. Presidente. Sei que jogo com números e esses números impressionam-me, levando-me à conclusão de que qualquer coisa está errada e que quem suporta o erro é o funcionário de Cabo Ver de.

De facto, não posso compreender que haja saldos de exercício da média dos 5000 contos só nos últimos três anos, apesar dos encargos de cerca de 10 000 contos que o orçamento ordinário suportou, e que não se arranjem 3000 ou mesmo 4000 contos para pagar aos servidores dos cargos providos o que a lei determina que lhes seja pago.