Recuso-me a aceitar tal conclusão, que considero, ao mesmo tampo, ofensiva do princípio da unidade governativa da Nação e da clarividência e sentido das responsabilidades dos titulares das respectivas pastas, a quem preste homenagem e para quem, confiadamente, apelo.

E que eles me perdoem que na antevéspera de uma apetecida tranquilidade, decorrente do fim da sessão legislativa, eu tivesse vindo aqui carrear algumas pedras para o calvário das suas preocupações.

Mas os superiores interesses do País merecem o sacrifício de todos nós.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem. muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Gonçalves Rapazote: - Sr. Presidente: a minha fala de hoje é como do costume, uma fala simples, e bem gostaria que saísse sóbria e leve para não cansar VV. Ex.ªs e suficientemente clara para dar uma visão perfeita dos acontecimentos que vou referir e tocaram a minha sensibilidade política.

Há muito que tenho a convicção firme de que pedimos de mais ao Estado e de que o Estado, envaidecido da sua importância crescente e da sua obra, não tem a humildade precisa para reconhecer as suas próprias limitações.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A tendência absolvente e planificadora, própria do tampo, sorna-se a psicose publicitária que atacou numerosos departamentos, insistindo em convencer a Nação de suas muitas benemerências e receitas salvadoras.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora, ao olhar atento dos simples mortais que nós somos, há benemerências que só pagam caras e muito receituário desacreditado.

O hábito em que estamos de ver um cortejo cívico em volta de cada fontanário e de a propósito de pouco mais do que nada invocar o imenso prestígio do técnico ou o nome consagrado do governante dá-me o direito, a mim que vou estando cansado de música, de foguetes e de discursos, de reservar uma palavra para consagrar a resposta da Nação àquelas realizações que efectivamente a engrandecem.

Quero louvar o esforço colectivo da grei, de quantos trabalham sem horário fixo, sem vencimento certo, sem férias pagas, sem abono de família, sem direito a reforma.

O Sr. Jorge Correia: - Mas que "rã bom dar-lhes.

O Orador: - ... de quantos acrescentam a riqueza da Nação e têm de vencer, para esse efeito, as suas muitas dificuldades e, vencidas, pagam taxas, impostos, previdências e derramas, guardando a suficiente fortaleza da alma para sacrificar os filhos na defesa do ultramar português.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Esses estão, antes de tudo u de todos, presentes no meu espírito.

Em hora de tantos sacrifícios e de tamanhas preocupações, presto a minha homenagem aos governantes que mostram inequivocamente o seu apurado sentido de servir e o fazem com a modéstia própria de quem, tendo já caminhado muito, sabe ainda o caminho que falta percorrer.

Q Estado, todo o imenso aparelho burocrático, tocado do prestígio que um grande homem do Governo lhe alcançou, está orgulhoso e pesado. A Nação tem de aguentar, além da carga tributária, o conhecido cortejo das vaidades e a importância funcional, não só daqueles que efectivamente valem e trabalham, mas também dos outros que encontraram a fórmula perfeita de consumir o tempo, multiplicando os papéis e os despachos ou maçando o público.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ora. fecundo e válido só me parece o labor dos que se empenham em fazer alguma coisa de útil. Esses interessam o povo na realização dos objectivos que prosseguem, orientam e dirigem pacientemente, convencem da autenticidade e seriedade do seu trabalho, da utilidade real do empreendimento, do melhoramento ou do serviço.

A Nação não suporta, no duro e grave momento que vivemos, uma actividade sofisticada, o desperdício do dinheiro a obra de vista ou do gosto próprio que por aí vai, ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... não obstante a oportuna e continuada pregação do Sr. Ministro das Finanças e as notas tão pertinentes do parecer da nossa Comissão de Contas Públicas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Volto-me, portanto, hoje para os portugueses que teimam em construir, em colaborar, em servir, e trabalham mesmo com a ferramenta partida, consumindo as próprias economias, aproveitando todo o vento de feição e tirando o maior proveito das mais reduzidas oportunidades.

Sei que a burocracia é uma necessidade do Estado moderno, sei que pela sua importância se situa logo abaixo do Governo, sei até que a mesma burocracia se transformou em sustentáculo dos regimes políticos.

Nascida como corpo auxiliar da política, tornou-se, no Estado moderno, o principal esteio do Poder.

E sei, finalmente, por ser um facto averiguado e descrito nos manuais de direito político, que as crescentes actividades do Estado, em lugar de serem suportadas pelo aumento de produtividade dos quadros existentes, tantas vezes ancilosados, vão sendo cobertas de novos burocratas com tal desenvoltura que, enquanto a população sobe em progressão aritmética, a burocracia aumenta em progressão geométrica.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - As grandes agências internacionais criaram, por sua vez, uma burocracia internacional, talvez mais perfeita e muito mais bem alimentada (risos), que se vem ocupando da baixa produtividade dos burocratas de todo o Mundo sem nos oferecer um método eficaz de a aumentar.

Nestas condições, todo o nosso esforço tem de incidir no sentido de limitar o Estado, desenvolvendo a organização corporativa e impedindo que o povo perca a noção da sua autonomia em frente do aparelho autoritário.