as limitações intrínsecas do cerebral isolado, que na ordem política podem operar como vantagem ou como desvantagem; e não ignorará as limitações impostas pela natureza do material humano e dos grupos sociais com que teve de trabalhar, e ainda os obstáculos derivados da actividade crescente dos seus opositores de base.

A obra realizada nem sempre se identificará rigorosamente com os princípios invocados, aos quais, no entanto, como disse, sempre permaneceu fiel e lhe garantem a adesão espontânea e ardorosa da grande maioria da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas o homem de princípios é também um mestre de realismo político e a mais decidida negação do ideólogo. Isto lhe tem permitido manter um sábio equilíbrio oportunista na diplomacia mundial que lhe garantiu os mais profícuos resultados.

Mas somos obrigados a reconhecer ainda que, no nosso mundo vário, a superioridade natural do político realista, a sua capacidade de captação dos homens e de adaptação às circunstâncias seriam ainda assim insuficientes para lhe permitirem a permanência no Poder por tão dilatado período, se efectivamente o vigor da inteligência não fosse interiormente acalentado por um grande, incandescente, imorredoiro sentimento - o seu amor a Portugal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: -De nada lhe valeriam engenho e arte, a austeridade do viver, a agudeza do intelecto, se nos três ou quatro grandes momentos da sua existência ele não tivesse sido o intérprete oportuno, eloquente e exacto, do sentimento nacional ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... se a Nação se não persuadisse de que, pela boca dele, ela própria pronunciava as palavras do grande monólogo interior donde surgem as decisões que imprimem carácter e dão sentido à vida de um povo.

Nesses momentos de transfusão espiritual é que ele se faz o porta-voz de uma consciência histórica que proclama a solidariedade das gerações e rasga à Nação os rectos caminhos da dignidade e da fortaleza.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Então, os que o não traem e nos não traem recalcam todos os ressentimentos que a vida diária lhes acumulou no peito, calam as querelazinhas que afastam do terreiro da fé e da honra os outros - os títeres ambiciosos que não são capazes de representar mais do que as suas próprias e ridículas ambições ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... os que poderão talvez saber muito de Portugal, mas não o sentem bastante para quererem para ele viver e por ele morrer.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A esses se juntam outros ainda, que diariamente o traem e nos traem ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... já não digo os apóstatas da Pátria, que venderam a alma sabe Deus a que danado Belzebu, mas os sacerdotes do bezerro de oiro, os supremos egoístas a quem só interessa a segurança das vidas e das burras; os tecnocratas desenraizados em cuja hierarquia de valores não figura a soberania dos fins morais e espirituais; os comandantes que não comandam e os dirigentes que abdicam da sua missão; os aduladores profissionais e os que da política fazem balcão imundo; e até aquele fragmento de ectoplasma pútrido que nesta Casa se infiltrou das trevas exteriores.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Estes, que ora se revelam em sua perfídia, egoísmo, covardia ou tibieza, estiveram sempre connosco, comungaram sacrilegamente do nosso pão e do nosso vinho, foram o perpétuo e secreto entrave de tanta aspiração irrealizada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Apesar de tudo, Salazar deixou indelevelmente gravada neste pedaço de história a sua marca pessoal. Portugal é bem diferente, e ele o será também. Tivemos todos as nossas esperanças, as nossas vitórias e também os nossos desalentos e até desilusões; que vida humana e que história nacional é isenta de uns ou de outros?

A sociedade sobre que ele actuou transformou-se radicalmente e nem sempre para bem, sem culpa sua, e não deixou de opor-lhe resistências que não foi possível vencer.

A obra era ciclópica e ao lado deste Atlas não abundavam os Titãs: muito pigmeu houve mesmo que julgou agigantar-se à sombra dele.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Assim chegámos ao ponto culminante em que, frágil argila humana, quase que tem de aguentar o Mundo sobre os ombros. Eis a sua hora mais alta! Quem o poderia substituir aqui? Uns verão nele apenas o avisado político ou o habilidoso estratega; outros seguilo-ão como a um juiz bíblico, Moisés a caminho do Egipto. Mas já não é sómente um chefe, condutor de um povo. Para todos quantos ainda prezem no novo mundo mecanizado a permanência de um humanismo espiritual e inquiridor, afirmativo e céptico, que se realiza na liberdade e no amor e constitui a essência do que chamamos civilização, ele é um dos últimos grandes representantes do Ocidente em trágico recuo, guião desfraldado da mais nobre de todas as resistências.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O «vento da mudança» em vão soprará sobre a babel confusa das Nações Unidas. Nós continuaremos firmes na convicção de que não há marcha uniforme, de pura necessidade histórica, de um universo alinhado em nome do progresso. Há, sim, histórias variadas de grupos e sociedades que são veículos de uma tradição social.

Nenhuma história universal até hoje escrita passou de um aglomerado inorgânico de capítulos nacionais meramente justapostos, ou a simples tentativa de dar carácter de universalidade a critérios particulares de culturas ou grupos individualizados. Esta forma de imperialismo cultural tornaria os factores de uma civilização subsidiários da evolução e das conquistas de outra.