E um nossas retinas ainda permanece a imagem dos olhos humedecidos do Sr. Presidente do Conselho na histórica sessão de 8 de Janeiro desta Assembleia Nacional:

Toda a Nação sente na sua carne e no seu- espírito a tragédia que se tem vivido, e vivê-la no seu seio é ainda uma consolação, embora pequena, para quem desejaria morrer com ela.

Mas o tempo fez pacto com o Presidente do Conselho de Portugal, o tempo é ministro de Salazar. Aquela agressão contra Goa é agora arma cruel apontada contra a União Indiana quando a China a invade, quando a China poderosa a humilha e quando o Paquistão vai tomando posição de desforço face ao brutal e cínico vizinho. O tempo é ministro de Salazar, e no tempo está a história, com os seus juízos implacáveis e também com a mão justiceira da Providência, que um dia fará retornar Goa às suas origens de cultura e alma profundamente portuguesas.

Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente. Srs. Deputados: foi há mais de mil e novecentos anos que um obscuro pescador do mar da Galileia chegou a Roma investido de uma missão de cuja transcendência no plano temporal talvez ele próprio estivesse longe de se aperceber.

Era Pedro, o novo Moisés, condutor do novo Israel, a que se associava Paulo, o novo Aarão, também escolhido para anunciar as riquezas de Cristo aos gentios.

Igreja dos apóstolos e dos mártires; Igreja dos tempos bárbaros; .Igreja das catedrais e das cruzadas; Igreja do Renascimento e da Reforma; Igreja do grande século e das revoluções, são dois milénios que reflorescem hoje na Igreja dos novos apóstolos.

E tal como Pedro, o pescador, é agora Paulo VI que peregrina pelos locais onde viveu Jesus.

Creio, Sr. Presidente, que a transcendência deste acontecimento, pelo seu valor intrínseco e pelas consequências que do mesmo resultarão justifica uma referência nesta Assembleia Nacional.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - A visita do actual Pontífice à Terra Santa, a primeira de um papa após a partida de S. Pedro para Roma, destaca-se na linha dos grandes acontecimentos dos últimos tempos não só da história da Igreja, como da história da humanidade.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Depois das encíclicas Mater et Magistra o Pacem in Terris, de João XXIII, e simultaneamente com a realização do Concílio Vaticano II, Paulo VI reafirma a actualidade u eficácia da missão da Igreja, surgindo como peregrino da paz e do amor numa terra dividida pelos ódios.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É o espírito ecuménico da igreja de Cristo que animará os propósitos de aproximação dos chefes de duas igrejas que o cisma há nove séculos separou. Todos esperam que os sentimentos de conciliação de Paulo VI e Atenágoras I constituam suporte seguro para que se consume a oração de Cristo sobre a unidade dos cristãos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas ainda no plano político - embora Paulo VI tenha acentuado os propósitos específicos da sua peregrinação , quem poderá minimizar as deferências de uma nação árabe ou do Estado de Israel para com o chefe dos católicos?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Cristãos, maometanos e judeus tom afinal a uni-los a mesma crença num Deus criador, a mesma concepção espiritual da vida, o mesmo desejo da paz, que constitui profundo anseio de toda a família humana.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: o carácter de «grandes acontecimentos» dado nos mais variados sectores aos actos da vida da igreja católica dos últimos anos não resulta de especulações publicitárias nem se filia no êxito fácil.

A extensão e a intensidade das reacções observadas constituirão antes um testemunho de como a Igreja tem sabido responder aos problemas do nosso tempo, às preocupações mais profundas de todo o homem que vem a este mundo.

Poderia, Sr. Presidente recordar aqui o processo e os anseios da minha geração, criada no decurso de uma guerra implacável.

A juventude da minha geração foi solicitada a dar a «sua compreensão:» aos sistemas mais diversos e absurdos, embora, como que por ironia, os homens morressem nas câmaras de gás ou construíssem a mascarada da política internacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Abrindo-se assim o Mundo às mensagens mais contraditórias, não seria nada de extraordinário que os jovens, na pureza da sua sinceridade, caíssem no cepticismo.

Nalguns sectores o processo teve consequências bem mais extremas.

Recordo a impressão que em mim causou o depoimento sacrílego de um tal Claude Roy:

Na China não há problema religioso, porque lá os deuses já estão muito fatigados.

A anestesia do sentimento religioso de parte da humanidade parecia exaltar o anúncio nietzschiano da «morte de Deus».

O problema já não se punha mesmo em termos de conflito, mas num humanismo ateu que explicava aquela lamentação do imortal Pio XII:

O maior pecado actual é que os homens começam a perder o sentido do pecado.

Um novo conceito do homem da liberdade, da vida, uma moral de situação...

Daí uma juventude lançada na embriaguez do exibicionismo ou das velocidades, juventude falhada no sonho, filiada no tédio e no desespero.

Parecia que pairavam angustiosamente aquelas palavras de Jesus:

Mas quando vier o Filho do Homem, julgais vós que encontrará fé sobre a Terra?