Entregue aos seus instintos, na expressão de Greef, ou contra o humano, na análise de Gabriel Mareei, «o homem é uma interrogação na noite». Sente, na fala de Proust, o vazio translúcido, monótono e profundo da existência. Experimenta, como diz Jaspers, o indizível horror do seu abandono.

Por tudo ainda a exclamação de um Sartre:

Se suprimis Deus-Pai, é necessário alguém para inventar os valores. Além do mais. dizer que somos nós que inventamos os valores significa apenas isto: a priori, a vida não tem sentido.

No fundo restavam sempre, u minha geração, três esteios: a lição da história, o reencontro através da experiência e a Providência.

Embora o homem do Ocidente tenha sido modelado pelo cristianismo, não quero com isso significar que a igreja católica se encontre absoluta e exclusivamente ligada à nossa civilização ocidental. As notas espirituais de universalidade e de unidade da igreja católica dirigem-se ao que há de próprio e permanente em todos os corpos sociais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Isto, porém, não nos impedia de compreender que se a velha Europa desejava continuar a existir, se o Mundo continuava a necessitar da Europa, era mister que esta prosseguisse a sua trajectória histórica determinada pelo figura de Cristo.

Aos que nos acusassem de preconceito ocidental poderíamos sem jactância responder que é pelos frutos que se conhece a árvore.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A velha Europa não seria, a tal propósito, um mero complexo geográfico, mas uma figura espiritual operativa. Desenvolvida numa história mais do que milenar, podia rever-se numa plenitude de personalidades e de forças, numa profundidade de riquezas e destinos. Porá ela que determinara a maneira de pensar, o carácter das decisões, o modo de sentir e de experimentar.

Liberdade, espontaneidade, responsabilidade, destino..., toda a teoria de palavras mágicas que pretendiam erguer contra a própria moral em que se apoiou a sua formação e desenvolvimento não teriam sido afinal geradas no seu próprio coração, não encontrariam apenas aí o sustentáculo da sua permanência e de uma definição sem equívocos.

Mas também os riscos da intensidade moderna poderiam conduzir os jovens da minha geração a um estádio bem superior na estrutura espiritual. Tal como um pouco de vivência poderia afastar Cristo, muita experiência reconduzia aos seus caminhos. O homem compreendia assim a exclamação de Santo Agostinho:

Não posso permanecer em mim se não permaneço em Deus.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E talvez no final da tribulação muitos do meu tempo tenham compreendido aquelas palavras que Nicodemos ouviu um dia:

O vento sopra onde quer e tu ouves a sua voz, mas não sabes donde ele vem nem para onde vai; assim é todo aquele que renasce do espírito.

De resto, em que outra idade, na história do Mundo, que não na actual, se ofereceram ao homem tão radiosas esperanças?

Não nos abre a economia largas possibilidades quanto à libertação da penúria? Não será a promoção dos territórios subdesenvolvidos galvanizadora de energias, bem capaz de obrigar

Nós vivemos uma época espiritualmente incomparável e grandiosa, porque rica em possibilidades e em perigos: mas se ninguém for capaz de se colocar à altura das suas exigências, ela poderá converter-se na era mais miserável da história, marcará a derrota da humanidade.

No discurso de abertura solene do Concílio Vaticano H, João XXIII acentuou expressivamente:

O grande problema, proposto ao Mundo, volvidos quase dois milénios, continua o mesmo. Cristo sempre a brilhar no centro da história e da vida; os homens ou estão com Ele e com a Sua Igreja - e então gozam da luz, da bondade, da ordem e da paz; ou estão sem Ele. ou contra Ele, e deliberadamente contra a Sua Igreja - causando confusão, dureza nas relações humanas e perigos continuados de guerras fratricidas.

Mas a nossa época proporciona igualmente à igreja católica condicionalismo de magistério e de acção que ganham uma feição inteiramente nova.

E João XXIII acrescentava ainda no discurso citado:

No exercício quotidiano do Nosso ministério pastoral chegam-Nos aos ouvidos insinuações de almas ardorosas sem dúvida no zelo, mas não dotadas de grande sentido de descrição e moderação. Nos tempos modernos não vêem senão prevaricações e ruínas; vão repetindo que a nossa época, em comparação com as passadas, tem piorado; e comportam-se como quem nada aprendeu da história, que é também mestra da vida, e como se no tempo dos concílios ecuménicos precedentes fosse tudo triunfo completo da ideia- e da vida cristã e da justa liberdade religiosa.

Mas a Nós parece-Nos que devemos discordar desses profetas das desgraças, que anunciam acontecimentos sempre infaustosos. como se estivesse iminente o fim do Mundo.

Na ordem presente das coisas, a misericordiosa Providência está-nos levando para uma ordem da relações humanas que. por obra dos homens e a maior parte das vezes para além do que eles esperam, se encaminham para o cumprimento dos seus desígnios superiores e inesperados , e tudo, mesmo as humanas diversidades, converge para o bem da Igreja.

É fácil descobrir esta realidade se se considera com atenção o Mundo de hoje. ocupado com a política e as controvérsias de ordem económica, a tal ponto que já não se encontra tempo de pensar nas preocupações de ordem espiritual, de que se ocupa o magistério da Santa Igreja. Este modo de proceder não é certamente justo, e com razão temos de desaprová-lo; mas não se pode contudo negar que estas novas condições de vida moderna têm pelo menos a vantagem de ter