história recente indica com clareza que o poder e a iniciativa local é condição sine que non numa democracia satisfatória e estável. A razão está em que os governos locais activos garantem uma conexão eficaz entre o cidadão e o executivo. A complexidade da estrutura política é na realidade uma virtude, dado que multiplica os contactos entre o administrado e a administração.

O espírito da democracia não é outra coisa senão o sentido da responsabilidade política no cidadão (...). A autonomia local é um campo de treino para aqueles que têm ambições de valorização, de forma a virem um dia a participar no governo nacional.

Estas considerações serão ainda mais pertinentes em Portugal, dada a nossa concepção orgânica do Estado.

Tenho esperanças de que o presente aviso prévio seja oportunidade para se fazer mais luz sobre um problema, que nos contactos que procurei, para elucidação minha, com entidades locais, sempre VI muito debatido: o da posição do presidente da câmara.

Já passou mais de um quarto de século sobre estas palavras do Prof. Marcelo Caetano:

O papel do presidente da câmara é delicadíssimo. Fora das contendas e particularismos locais, incumbe-lhe ser o fiel da balança entre os interesses particulares, a voz do bem comum, o zelador do interesse geral no concelho. Há-de ser o animador das actividades e o disciplinador das energias; dele hão-de emanar os planos a realizar, a ele pertence, depois, a difícil tarefa de os executar.

Por isso, é indispensável assegurar-lhe toda a independência e rodear as suas funções de todo o prestígio. A sua obra deverá ser patente a toda a fiscalização, assim do Governo como dos munícipes: mas há que defendê-la dos caprichos, dos personalismos das intrigas, em que tem sido fértil a política local.

Não. creio que, mesmo no domínio dos simples contactos humanos, o Governo Central se tenha sempre preocupado com a estima da posição do presidente da câmara.

O Sr. Antão Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Duas consultas habituais são a tal propósito ilustrativas:

Quando, por exemplo, os presidentes das câmaras mais devotados percorrem as repartições ou os gabinetes de Lisboa, quase implorando ajuda, são muitas vezes tratados, se porventura são recebidos, como visitantes incómodos e impertinentes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há, por outro lado. diligências que alguns serviços centrais desenvolvem nos meios rurais sem do facto darem qualquer conhecimento às respectivas câmaras municipais, criando, algumas vezes, situações de melindre político. Não raro, e não sei por que. estranha ironia, as repartições do Estado escolhem os períodos eleitorais para tomarem, relativamente às populações dos campos, atitudes antipáticas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas ainda aqui poderiam merecer reparos aspectos que se enquadram na situação dos funcionários municipais, na política de obras públicas e nos regimes financeiros.

Como acentuei noutra oportunidade, é antipática a distinção que se tem feito entre funcionários públicos e funcionários administrativos. Considera-se, por vezes, para fins odiosos, como funcionário público o servidor a quem não se reconhece idêntica posição para beneficiar das regalias inerentes a essa qualidade.

Transposta a ideia para os servidores administrativos, tem-se verificado, por exemplo, uma- inibição para os funcionários dos serviços especiais dos corpos administrativos com idade superior a 35 anos, relativamente à possibilidade de concorrerem a lugares dos quadros do Estado. Isto é tanto menos compreensível, mesmo para lá de um elementar espírito de justiça, se tivermos em conta que o Governo só lucraria se facilitasse a estes servidores o acesso, numa oportunidade em que eles já se apresentam senhores de uma experiência adquirida no exercício de funções nas câmaras municipais (cf. contudo o parecer da Procuradoria-Geral da República de 11 de Dezembro de 1962, no Diário do Governo, 2.º série, de 15 de Janeiro de 1963).

Parece-me, de resto, ocioso persistir numa multiplicidade de estatutos para o funcionalismo: funcionários civis, funcionários administrativos, funcionários ultramarinos ...

Ô sistema das comparticipações, em matéria de obras públicas, representa um limite de direito e de facto à autonomia municipal.

Sabe-se que as comparticipações são, em dada medida, uma compensação relativamente à concentração fiscal operada a favor do Governo, ao enfraquecimento das faculdades tributárias das câmaras.

Ora esta assistência financeira arrasta consigo uma assistência técnica por parte dos serviços centrais. Uma e outra conjugam-se, em suma, podendo dizer-se que a iniciativa e os poderes de decisão e fiscalização dos municípios são muito relativos.

Dir-se-á que, se o Estado dá o dinheiro, a este será lícito escolher as obras a comparticipar e fiscalizar a sua execução.

Mas decidir-se-á sempre o Estado pelas primazias que, no consenso dos povos, são as mais aceitáveis? Atenderá, preponderantemente, aquele mínimo essencial indispensável à vida das regiões mais atrasadas? Vencerá, sempre, a tentação do sumptuário? Estudarão com afinco os téc-