E numa outra passagem asseverou:

Se se analisam e decompõem os elementos orgânicos de um Estado, encontramos em toda a parte o município, que, como a família, existiu antes do Estado. Não foi a lei política que o constituiu, porque foi achá-lo já formado.

O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!

O Orador: - Dito isto, fácil é de compreender a razão por que o município tem sobrevivido a todas as crises.

Não se julgue, porém, que o reconhecimento do papel importantíssimo da instituição municipal que tem tido como forma de regulamentação social caracteristicamente portuguesa nos leva a alinhar com os sequazes de um municipalismo romântico. Só quem feche os olhos às realidades assim poderia fazer, deixando subverter a disciplina da razão e afastando o sentido actual das conveniências nacionais.

É certo que os povos são muito ciosos das suas prerrogativas, mas há também que reconhecer que a administração local tem de ter uma situação realista perante o Estado moderno, e, por isso, a instituição municipal, embora constituindo elemento moderador às tendências centralizadoras dos governos, não o é, nem será, com a amplitude de outros tempos.

A descentralização continua a considerar-se como necessária no que respeita às autarquias locais, constituindo imperativo de ordem histórica que se não poderá apagar - e queira Deus que jamais se apague -, dado o facto de ao Estado moderno serem cometidas tarefas cada vez mais amplas e vultosas, impedindo-o de acudir, de maneira mais directa, através da sua própria orgânica, a todas as necessidades públicas.

Na verdade, as necessidades públicas têm evoluído por tal forma que aquilo que ontem era apenas de interesse local surge hoje aos nossos olhos como de interesse geral, não podendo ou n3o devendo desta sorte ser cometida ao município a sua satisfação.

Por isso mesmo, «ao traçar-se o quadro legislativo dentro do qual se ia desenrolar a vida dos concelhos, se seguiu um método realista, isto é, teve-se sempre presente a imagem dos concelhos de hoje, sua posição em face do Estado moderno, suas possibilidades financeiras, suas reservas de escol e seus horizontes de futuro», conforme escreveu em 1940, com toda a sua autoridade de grande administrativista, o Prof. Doutor Marcelo Caetano.

E num lúcido e incisivo comentário acrescentava o mesmo ilustre professor:

Na situação do município novo dois problemas capitais ficaram ainda para resolver: o problema financeiro e o das relações com o Estado. O problema financeiro põe-se assim: cerceamento progressivo de receitas por actos do Governo, aumento assustador de encargos obrigatórios a satisfazer para pagamento de despesas com repartições e serviços do Estado.

O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!

O Orador: - Há concelhos onde a diferença entre as magras receitas e as despesas obrigatórias (incluindo nestas os vencimentos do pessoal) mal chega para mandar cantar um cego.

O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!

O Orador: - O segundo problema - o das relações com o Estado é este: passados dez anos de comissões administrativas da confiança do Governo, sempre a bater à porta das repartições do Terreiro do Paço em busca de benefícios e melhoramentos, os burocratas esqueceram-se de que o município não é uma dependência das direcções-gerais, mas uma pessoa moral autónoma, cujos órgãos deliberam com independência e devem falar ao Governo respeitosamente, mas sem subordinação.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!

O Orador: - Infelizmente, e volvidos que suo 23 anos sobre tão objectivo e forte comentário, não podemos, com verdade, afirmar que o actual panorama das instituições municipais esteja melhorado em relação à época em que o Código Administrativo começou a vigorar. Bem pelo contrário.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A exiguidade de recursos e o rol imenso dos encargos obrigatórios que pesam sobre os municípios embaraçam de forma considerável a sua acção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os planos de actividades camarários, mesmo quando modestos, não podem ser integralmente realizados. A escassez de meios não lhes permite muitas vezes realizar melhoramentos em comparticipação com o Estado e não possuem fundos para suportar encargos com empréstimos que lhes dêem margem a ocorrer a melhoramentos de maior vulto e de primeiro plano, tais como sejam escolas, abastecimentos de água, electrificação e esgotos.

O Sr. Augusto Simões: - V. Ex.ª dá-me licença? O Orador: - Faz obséquio.

O Sr. Augusto Simões: - Era só para significar o seguinte: V. Ex.ª vê que na elaboração dos respectivos orçamentos municipais, onde há regras fixas que não podem ser obliteradas e desrespeitadas, entra o seguinte: os municípios não sabem, na altura em que têm de fazer os orçamentos, quais as comparticipações com que entrará o Estado, por isso não podem elaborar um consciencioso plano de trabalhos.

V. Ex.ª sabe que o Ministério das Obras Públicas só tarde publica os seus planos, os quais não reflectem a própria carência. Consequentemente, esses orçamentos a que V. Ex.ª se referia e todo o plano de actividades são eivados por esta grande dificuldade; são sempre planos de incerteza, quando deveriam ser planos de certeza.

Era esta a achega que queria dar a V. Ex.ª

O Orador: - Agradeço o esclarecimento de V. Ex.ª E isto que acontece na quase totalidade dos concelhos do País torna-se mais premente e agudo ainda nos de