toda a admirável concórdia medieval - «os maiores da República devem reger e governar o os meãos obedecer o ajudar».

As abstracções racionalistas nunca me aliciaram.

Entendo uma ordem política concreta, compreendo uma relação de mando e obediência, a relação cheia de calor humano e de virtualidades criadoras que ampara, que protege, que guia, que defende, que encoraja, que obriga no modo e jeito de cada um.

Tremo diante do ordenamento frio, encadernado, da lei e do regulamento; tremo de indignação diante da subtil armadura do Estado, forrada a papel selado, recheada de ordens de serviço, empestada de petulância burocrática e infalibilidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É a tirania impessoal do Estado abstracto que, mesmo quando despe a armadura, só me deixa a alternativa da luta de classes.

Um eminente professor de Direito da Universidade de Santiago de Compostela já se lembrou de definir a ordem política contemporânea como a tirania organizada da lei apenas temperada pela sua não observância.

Esta seria, meus senhores, a primeira parte cias minhas meditações no banco comunicatário da Casa do Conselho, sobre a Carta de Foro da Cidade.

Passadas 25 gerações, devemos agora recordar, comovidamente, a admirável figura e a vigorosa personalidade de D. Fernando, segundo duque de Bragança, de quem reza a história que el-rei D. Afonso V «desde que começou a reinar estimou com tanta confiança que lhe encomendou os negócios mais árduos do seu tempo».

D. Fernando nunca se esqueceu de Bragança e levou ao arraial inquieto da Ceuta de 1464 as informações precisas porá que a Carta do Foro registasse os velhos direitos que a cidade tinha ao uso desse título.

Velho castro céltico ou luso-romano, cresceu como igreja cristã de Astorga e de Braga nos tempos dos Godos e sob os reis de Leão.

Nos alvores da nacionalidade, Fernão Mendes, o Braganção, casa com a infanta D. Sancha, filha legítima do conde D. Henrique, e parece que, por via desse casamento, aquelas terras vêm à coroa de D. Afonso Henriques.

Logo D. Sancho I corre, em pessoa, a defendê-la do cerco leonês e no foral de 1187 a trata como cidade, concedendo aos seus moradores grandes e extensos privilégios.

Entre eles há um, nesse primeiro foral de 1187, que Herculano registou e todos nós, os que ali nascemos e crescemos, nunca poderemos esquecer.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Muito bem!

O Orador: - ... Que «Os varões da vossa cidade sirvam a quem quiserem - a el-rei, ao conde ou aos infanções».

or mim, escolhi o rei.

Durante este século de epopeia a tenência de Bragança aparece ligada à confirmação de meios forais, desde o centro do Alentejo, com Martim Afonso assinando o foral de Estremoz, até à extremidade do Algarve, onde, em 1276, o tenens Nuno Martins, aio de D. Dinis, assinala, no foral de Silves, a nossa presença.

Tinha razão o duque de Bragança D. Fernando e fez-lhe justiça o rei.

O título de cidade era título de direito próprio já adquirido e, por essa razão, a Carta de Foro de 1 464 tem o sabor de uma gloriosa restauração.

Conta-nos o abade de Boçal, aquele abade inconfundível que parecia uma torre - a Torro do Tombo - e que assinava os seus escritos à sombra de um negrilho, nu cortinha da casa, em companhia do cadelo Lafrau e da guta Tartaruga, a lenda da reediacação da cidade:

... Nas lutas contra os Mouros Bragança foi destruída, seus habitantes fugiram, escondendo as Sagradas Imagens, e passados quase duzentos e oitenta e cinco anos, na reconquista cristã, apareceu a de Santa Maria num sardão, carrasco ou azinheira do espesso matagal crescido em cima das ruínas do primitivo povoado.

Levaram-na para um monte hoje chamado Cabeço da Cidade, a uma légua desta, na confluência do Sabor e Fervença, onde então viviam, mas, de noite, a Virgem fugiu para o primitivo local, e tantas vezes o fez até que, desenganados, vieram habitar junto dela edificando-lhe um templo.

E mais expressiva é ainda a comparação com as restantes povoações cio reino.

Na comarca de Entre Douro e Minho só o Porto, com 13 122 vizinhos, e Barcelos, com 9 018, ultrapassavam Bragança.

Na Estremadura só Lisboa e seu termo, com os seus 17 000 vizinhos, tinha maior representação.

Na Beira, no Alentejo e no Algarve não havia vila e termo que se aproximasse sequer da vila e termo de Bragança.

Coimbra aparecia em Cortes representando 4570 vizinhos e Évora, Beja e Faro andavam muito longe de nós.

O Sr. Cutileiro Ferreira: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz obséquio.

O Sr. Cutileiro Ferreira: - No período a que V. Ex.ª se refere Évora era, salvo erro, a capital do reino.

O Orador: - Exactamente, e tinha uns 3600 habitantes vizinhos, a cidade e seu termo.

Tínhamos gente e gente grande, tínhamos agricultura e comércio e tínhamos industria.

Foi o duque de Bragança o impulsionador da indústria do ferro na nossa região.

A ferraria de Bragança foi depois ferraria do el-rei, mas, para além do forro e das minas, o duque trans-