Viseu, a cidade jóia digna do escrínio em que repousa, foi sempre cidade desde que emergiu das brumas da proto-história.

O Sr. Engrácia Carrilho: -Muito bem!

O Orador: - Predestinada para capital de uma enorme província, ela possuiu sempre aquele ambiente indefinível, aquela vivência urbana e aquele tom senhorial que caracteriza uma cidade e a distingue de qualquer outro aglomerado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas Viseu não é só uma cidade; é uma cidade-museu, e é também, por destinação da Natureza apreendida há mais de vinte séculos, um excepcional centro de turismo.

Ao deslado do Pavia, fronteiro à catedral, estende-se a Cava de Viriato, monumento sem paralelo que urge restaurar, a bem do prestígio e do turismo nacional.

Para só citarmos aqui opiniões estrangeiras, tão queridas à nossa habitual xenofilia, diremos que Schulten, o mais categorizado investigador e iberólogo do último século, em carta dirigida ao saudoso Prof. Amorim Girão, confessava nunca ter visto coisa semelhante, e Blás Tarracena, notável investigador do país vizinho, escrevia «... aunque su enorme obra paresca desmentir-lo, el monumento singular de Viseu (Portugal) llamado Cava de Viriato».

Assim, a nota frisada pelos sábios estrangeiros foi a da singularidade do monumento, que realmente não tem paralelo, nem cá dentro, nem lá fora.

Este imenso octógono regular, com os seus lanços de muralha de terra batida de cerca de 15 m de altura e circuitado por um fosso exterior de 10 m de largura, sobre o qual se rasgavam as quatro portas regulamentares -pre-toriana. decúmana, dextra e sinistra -, constituía um gigantesco acampamento romano fortificado (castra stativa), destinado a vigiar as rotas e vias que de todos os ventos Ali convergiam e que para todos os quadrantes dali irradiaram.

Porque isso nos levaria muito longe, não nos deteremos a, analisar a famosa Cava de Viriato, nem a pormenorizar a sua vetustez de mais de vinte séculos, nem a enumerar as suas gigantescas dimensões, já que só o perímetro exterior ao fosso alcança quase 2,5 km e a sua área interior «excede os 30 ha.

Vou destacar apenas a lição que, para o turismo, ela constitui.

Construída por Brutus Galaicus para a sua penetração armada na Lusitânia, ou edificada posteriormente para assegurar as comunicações e a difusão da cultura romana, a Cava de Viriato ergue-se na intercepção das comunicações dos territórios entre Tejo e Douro e no nó vital donde tão vasta região podia ser dominada.

Há, assim, mais de 21 séculos que os cultos e hábeis romanos se aperceberam desta verdade: é de Viseu que irradia toda a penetração, militar ou cultural, para as vastas regiões vizinhas.

Sabido que o nosso turismo provém do lado de Espanha e que a sua via mais praticada é a de Vilar Formoso, eu «ó ponho perante os responsáveis pelo departamento do turismo nacional o que seria (agora que foi votada a restauração da fortaleza de Almeida) a recepção dos turistas em Almeida e a sua condução para a sala de visitas da Cava de Viriato, devidamente restaurada e com os seus 30 ha interiores adaptados a parque de campismo, parque automóvel, hotéis e mais instalações de recepção, utilidade, informação dos turistas, que dali irradiariam para todo o Portugal.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Estou certo de que não havia nada igual lá fora; e tenho para mim que nenhum turista olvidaria jamais tal recepção.

E note-se que não falei no campo de aviação que ali, a cinco escassos quilómetros, grita contra o abandono a que foram votadas as suas magníficas pistas ... num País onde se diz que os aeródromos escasseiam ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Tudo ali conjugado -turismo automóvel, turismo campista, turismo por via aérea- daria ao visitante disposição magnífica para dali partir a admirar as belezas e as maravilhas de todas as outras regiões do País.

E um sonho; e este sonho não era caro, nem difícil de realizar; quaisquer 20 000 ou 30 000 contos (desses que displicentemente se gastam em palaces onerosos, inúteis e ruinosos) renderiam cento por um; tratar-se-ia aqui de rendoso investimento.

Converter-se-á o sonho em realidade?

Não sei; mas, se não, prefiro viver o sonho, que a realidade será então mesquinha de mais para atrair a atenção.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

Os que dali saem aos 20 anos, com a quimera metida numa saca de retalhos, voltam mais tarde com a mesma quimera numa mala de couro, gastam 100 contos numa pedreira a fazer uma horta e dizem, com ar manhoso, a quem lhes censura um amor tão desvairado à terra: «infeliz pássaro que nasce em ruim ninho ...».

E continuam a comer talhadas de presunto cru.

Os que ficam, cavam a vida inteira. E, quando morrem, deitam-se no caixão com a serenidade de quem chega ao fim de um longo e trabalhoso dia.

E ali ficam, nos cemitérios negros, à espera que a lei da Terra os transforme em ciprestes e granito.

Esta raça não pode entender nada de turismo.

Pode, porém, servi-lo, pela sua riqueza natural, pelo segredo da sua cultura milenária, por tudo isso que as condições do meio ajudaram a transmitir, felizmente quase intacto, até aos nossos dias.

Vem daí a surpresa de um Leite de Vasconcelos, que lá foi descobrir e recolher o mais rico filão do romanceiro peninsular, vem daí o encantamento do musicólogo ame-