O Orador: - Por outro lado, as supostas necessidades do progresso trouxeram-nos a terraplenagem e construção da Alfândega e respectivo acesso do caminho de ferro.

Com estas obras, por 1870^1880, se foi a parte ainda subsistente gótico-henriquina da cidade ribeirinha, precisamente nas vésperas de ter de se reconhecer que o porto de mar tinha de ser deslocado para Leixões, pois o Douro não estava em condições de satisfazer as novas necessidades da navegação. Depois foi a estação de S. Bento, demolindo um dos mais aliciantes conventos da cidade, e contemporaneamente a Ponte de D. Luís, que, pela sua directriz, logo potencialmente passou a ameaçar parte vetusta da cidade, logo que surgisse o ponto morto de se darem ouvidos aos fanáticos da linha recta. E, curioso, isso operou-se precisamente, não fosse perder-se a hora, quando já se anunciava a realização da, de há muito prevista, ponte da Arrábida, pela qual ;i cidade ainda uma vez, como é justíssimo, tem manifestado ao Governo, e particularmente ao Sr. Ministro das Obras Públicas, cuja é, a sua perene gratidão.

E, ante a dificuldade de solver a integrar o boqueirão que a avenida para a Ponte de D. Luís abriu no dispositivo da cidade, fica-se desconsoladamente a pensar no êxito que deveria ter representado a solução proposta, haverá vinte e poucos anos, pelo arquitecto italiano Muzanti à Câmara Municipal: a da construção de uma artéria sobre arcaria, vinda da Praça de D. Pedro, passando superior às Ruas das Flores e de Mouzinho e contornando a colina desenhada ao fundo pela depressão da velha Rua Escura. Do lado de Gaia, devia tornar-se essa obra uma beleza, se, já quando vistos do Porto, a ponte ferroviária em curva e seus arcos, junto às Devesas, se encaixa aliciante na paisagem! Mas não sonhemos sobre o que podia ter sido; e não se realizou porque na ocasião o projecto se entendeu excessivamente caro; e decerto não ia muito para além do que tem custado o que hoje se vê e sem o prejuízo do que se desfez.

E, com desrespeito da cronologia, saltei o terremoto artificial Elísio de Melo. Alguns marcantes edifícios de rico estilo barroco e neoclássico se destruíram, a começar pelo da própria Câmara Municipal, sem que tal fosse preciso para o respectivo plano. Mas, pior que a destruição, foi ainda a reedificação permitida, pelos sucessores, em reacção individualística de represália, sem respeito pelo projecto Parker!

Adiante.

Sr. Presidente: é evidente que este espírito de bota-abaixo cívico se torna altamente prejudicial para o incremento do turismo. A sua crítica já inspirou ao tripeiro Ramalho - autor do conceito definitivo do «aluvião municipal» - vingadoras palavras que entre muitas outras, ler se podem n'O Culto da Arte em Portugal (p. 69 da edição de 1943 da Clássica Editora).

Nesse passo, a propósito do muito arquitectonicamente válido que se havia destruído no seu burgo natal, assim conclui:

Dentro dessa categoria do delinquentes será difícil disputar o primeiro lugar da série patológica à cidade do Porto!

E mais adiante, a propósito de outras malfeitorias praticadas, ou previstas, na preciosa cidade de Évora, definiu pontos que nada perderam de actualidade e por isso não resisto a transcrever:

Pobre cidade de Évora, um dos nossos mais vastos e mais preciosos museus de arqueologia e de arte, preferindo com Santarém ser uma estúpida colecção

de praças largas e ruas novas! Por toda a Europa, os velhos bairros históricos são hoje o tesouro das cidades que os possuem. Em muitos lugares, onde esses bairros não existem, estão os inventando, estão os reconstituindo, em homenagem erudita e piedosa à tradição histórica, à poesia do passado.

Com as improvisações do seu modernismo, Évora é como Viana, do Castelo, Braga, Guimarães, Coimbra, Tomar, Santarém ou Beja, que sómente interessam os viajantes pela sua antiga arte, e não valem realmente a pena de que alguém as visite pelo que dão de novo.

programáticos com que nos deliciou há dias a brigantina eloquência do Sr. Deputado Gonçalves Rapazote.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Isto só o trazemos aqui a esta tribuna para que um propósito de bom senso, recorrendo a meios eficientes, trave as tropelias que em grande parte resultam da incoordenação de serviços e sectores administrativos entre si e com as autarquias locais.

Por isso nos anima a promessa de melhor coordenação futura do Sr. Subsecretário de Estado da Presidência.

Apresentam-se as jeremiadas em que vimos insistindo, assim o creio, oportuníssimas, a propósito do turismo Confrontando o nosso com o espanhol, temos de confessar que para além do terramoto que subverteu com Lisboa muito do Sul do País, as malfeitorias aludidas vêm processando-se entre nós por forma muito mais alarmante do que no país vizinho, que ciosamente teima preservar os seus monumentos ou meros conjuntos pitorescamente típicos e com que proveitos, pelo visto, mesmo só turisticamente falando. Eis um exemplo a seguir e mãos à obra para guardar religiosamente o património histórico-artístico que nos resta, de irmãos segundos, mas que ainda assim, em si mesmo, está bem longe de ser insignificante.

Exemplo a seguir tem sido prestantemente oferecido ao País pela Câmara Municipal de Lisboa, já na preservação e limpeza da cidade antiga à volta do Castelo e de Alfama; já abrindo miradouros sobre o seu espelho incomparável do Tejo; já promovendo, através do seu Gabinete de Turismo, a publicação, a preço módico e plurilinguístico, da inventariação dos seus valores artísticos, arquitectónicos e outros, culminando na edição do luxuoso volume Lisboa Turística.