O Sr. Proença Duarte: - Não podem continuar, mas não são obrigados a desfazer-se.

O Sr. Gamboa de Vasconcelos: -Também é farmacêutico.

O Sr. Proença Duarte: - O diálogo é comigo e com o orador.

O Orador: - O farmacêutico também não é obrigado a desfazer-se.

O Sr. Proença Duarte: - Ai isso é que é, porque o alvará pode caducar.

Não há dúvida nenhuma de que o artigo 8.º, n.º 15.º, da Constituição consagra um direito originário, o direito de propriedade. Ora eu ainda não vi construir aqui uma teoria que justifique neste caso a restrição. É um direito originário, constando do direito à propriedade e do direito à transmissão pela morte.

Através desta proposta de lei, e neste caso, pretende-se fazer uma restrição a este direito de propriedade. Ora, como é que V. Exa. justifica que em matéria de tal importância, tratando-se de um direito originário se hajam de pôr limitações a esse direito de propriedade?

O Orador: - É tão legítimo o direito de propriedade da farmácia como o direito de propriedade de um consultório. Por que razão há-de a solução ser diferente num caso e noutros?

O Sr. Proença Duarte: - Uma coisa é o exercício da profissão e a direcção técnica, outra coisa é o de propriedade da farmácia.

O Orador: - Mas confundem-se na tese da indivisibilidade.

O Sr. Proença Duarte: - V. Exa. então pressupõe que a tese da indivisibilidade é que é a verdadeira Quod erat demonstrandum, isso é que eu queria que V. Exa. me demonstrasse. É que senão estamos num circulo vicioso.

O Orador: - É possível que sim. Cada um tem a sua opinião sobre o assunto.

O Sr. Proença Duarte: - Eu não estou a fazer um discurso de oposição a V. Exa, estou apenas a pedir um esclarecimento. É para isso que sei vem os apartes, já que me habituei desde o princípio desta situação política a que o aparte funcione como um pedido de esclarecimento, e não como um contradiscurso.

O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - O Sr. Deputado Teles Galo dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr Gamboa de Vasconcelos: - Se bem ouvi, há bem pouco tempo V Exa. dizia no seu discurso que se é certo que a Constituição garante o direito origina de propriedade, também não é menos certo que ela sobrepor o interesse geral ao interesse particular. Parece que é esta a melhor resposta à objecção feita.

O Orador: - Muito obrigado por esse esclarecimento que veio muito a propósito. O

Sr. Deputado Proença Duarte talvez não tivesse ouvido bem o que eu disse anteriormente.

No caso que estamos a apreciar, a justificação advém precisamente do facto de o Estado considerar em certos casos como útil ao bem comum impor determinadas limitações ao direito de propriedade.

O Sr. Proença Duarte: - Admito essas limitações, mas queria que V. Exa. me fizesse a construção jurídica de que neste caso é indispensável essa limitação do direito de propriedade.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - Parece que no caso em discussão está perfeitamente justificado.

O Sr Proença Duarte: - O artigo 8 º da Constituição diz

Constituem direitos, liberdades e garantias individuais dos cidadãos portugueses

15.º O direito de propriedade e a sua transmissão em vida ou por morte nas condições determinadas pela lei civil.

Considero este direito um direito natural. Porque é que neste caso se justificam limitações a esse direito?

O Orador: - Pode sofrer limitações, em determinados casos.

O Sr Proença Duarte: - Quais são os casos? E porquê? E porque é que neste caso se justificam?

O Orador: - O Estado entende que há um bem comum a defender, que é a saúde pública.

O Sr Proença Duarte: - Nós é que somos o Estado.

O Orador: - Entendeu-se que a saúde pública ficaria bem defendida desde que a propriedade seja indivisível.

O Sr. Proença Duarte: - Estamos numa petição de princípio.

O Orador: - Se V. Exa. quiser ter a bondade de ouvir mais um pouco, verá que adiante eu vou, precisamente, invocar razões que, penso eu, levam à conclusão de que as farmácias devem ficar indivisíveis.

O Sr. Proença Duarte: - Tenho muito prazer em ouvir as razões de V. Exa.

O Orador: - Há-de finalmente aceitar-se como argumento bom, em favor da tese da não-indivisibilidade, o de que não haveria necessidade de recorrer, em regime de livre propriedade da farmácia, e tal como a experiência de 30 anos tem demonstrado, à prática sistemática de actos simulados, com indesejável desrespeito pela lei e uma perniciosa aviltação da consciência?

A esta pergunta, ofereço como resposta condigna a que foi dada pelo eminente Prof. Doutor Braga da Cruz (in «Propriedade da Farmácia - Estudo Crítico sobre Um Parecer da Câmara Corporativa», p. 11).

[É um] argumento cuja consistência jurídica não merece sequer ser assinalada, tão evidente ela ressalta da sua simples formulação, e que, levado às últimas consequências, foiçaria a advogar a destruição da própria ordem moral e jurídica, como maneira prática de acabar com toda a sorte de simulações, de contra-