Projecto de proposta de lei n.º 5O6/VIII

Regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.º 506/VIII, elaborado pelo Governo, sobre o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e de Justiça), à qual foram agregados os Dignos Procuradores Aguinaldo de Carvalho Veiga Alcide Ferreira, António Aires Ferreira, António Bandeira Garcês, António Jorge Martins da Mota Veiga, António Júlio de Castro Fernandes, Fernando Maria André de Oliveira de Almeida Carneiros e Meneses, Francisco David Ferreira, Guilherme Pereira da Rosa, João Ortigão Ramos, João José Lobato Guimarães, Luís de Sousa e Silva, Manuel Pinto de Oliveira, Mário Luís Correia Queirós e Rui Enes Ulrich, sob a presidência de S. Exa. o Presidente da Câmara, o seguinte parecer.

Apreciação na generalidade O projecto de proposta de lei n º 506/VIII visa alterar o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, que hoje consta, fundamentalmente, da Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936.

Trata-se, pois, de remodelação de matéria que já foi objecto de estudo desta Câmara, no seu longo e minucioso parecer n.º 71-I, de 1963 (Diário das Sessões, suplemento ao n.º 74, de 7 de Fevereiro de 1936), onde se ventilou a problemática dos acidentes de trabalho em termos largos na perspectiva e minuciosos na análise.

Sendo assim, afigura-se desnecessário tratar de novo, com idêntica extensão, os mesmos temas. Basta ter em atenção os primeiros números do relatório da proposta para rapidamente se caracterizar o clima em que ela foi elaborada e a diversidade de problemas que procura resolver.

Convém, no entanto, lembrar que o conceito de acidente de trabalho, como entidade jurídica autónoma, é, em todo o Mundo, fruto de grande surto de industrialização que se desenvolveu no século XIX.

A expansão da actividade fabril e do trabalho mecânico multiplicou extraordinàriamente as condições propícias para a ocorrência de acidentes em multidões de trabalhadores cada vez mais numerosas.

O projecto em estudo aponta as bases em que se foi processando a reparação pelas consequências dos sinistros.

A ideia tradicional vinda do direito romano pressupunha a culpa da entidade patronal como fundamento da responsabilidade. Mas, em face da grandeza do fenómeno social do acidente de trabalho, tão estreita base cedo provocou a busca de conceitos mais amplos, e assim se passou para a teoria da responsabilidade contratual que atribuía às entidades patronais a obrigação de indemnizar pelas consequências dos acidentes de trabalho, em princípio, salvo se fizessem prova de o acidente ter resultado de culpa dos sinistrados ou de caso fortuito.

Perante a insuficiência das soluções fornecidas por esta fórmula, recorreu-se ao princípio da responsabilidade objectiva, que, dada a natureza da matéria, se traduziu na teoria do risco profissional. Segundo ela, a obrigação de reparar as consequências dos acidentes compete aos dadores do trabalho, já que da actividade exercida pelos trabalhadores derivam para aqueles lucros e riscos, simultâneamente.

E este é ainda, fundamentalmente, o assento jurídico do regime de reparação pelos acidentes de trabalho nos países onde estes continuam a ser regulados por normas de direito privado. Em Portugal, quando a necessidade de resolver o problema se começou a fazer sentir, ele só podia ser encarado à face do artigo 2398.º do Código Civil, segundo o qual os dadores de trabalho apenas respondiam pelos acidentes devidos a culpa sua, e como não se estabelecia qualquer presunção sobre a prova da culpa, ela incumbia às vítimas.

Em seguida, e durante cerca de meio século, publicaram-se numerosos diplomas relativos à segurança e higiene de certas indústrias Assim estabelecimentos insalubres, incómodos e perigosos (1863), pedreiras (1884 e 1892), aparelhos motores (1874), pólvora e dinamite (1880 e 1883), geradores e recipientes de vapor (1893 e 1898), construções civis e estabelecimentos industriais (1895 e 1898), substâncias explosivas (1902), e indústrias eléctricas (1903), mas em nenhum deles se estabeleceu que a responsabilidade civil pelos acidentes de trabalho e doenças profissionais competiria, em princípio, à entidade patronal.

Publicaram-se também alguns diplomas em que se concediam subsídios de hospitalização e tratamento, a reforma antecipada ou pensões em caso de acidente de trabalho, podendo referir-se, entre outros, os regulamentos, de diversos serviços públicos Arsenal da Marinha (1893), Caminhos de Ferro do Estado (1901 e 1904), assalariados das obras públicas (1902 e 1908), Arsenal do Exército e pessoal jornaleiro dos correios e telégrafos (1905), e serviços fabris do Ministério da Marinha (1908), mas esses