Foram lidas. São as seguintes

1 Não dá direito a reparação o acidente ocorrido nas seguintes circunstâncias: Quando for dolosamente provocado pela vitima ou provier de acto ou omissão. Resta se, sem causa justificativa, inutilizar condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal,

b) Quando provier exclusivamente de falta grave indesculpável da vítima,

c) Quando resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos da lei civil, salvo se aquela derivar da própria prestação do trabalho, ou for independente da vontade do sinistrado, ou se a entidade patronal ou o seu representante, conhecendo o estado da vítima, consentir na prestação,

d) Quando provier de caso de força maior.

2 Só se considera caso de força maior o devido a forças inevitáveis da Natureza, actuando dependentemente de qualquer intervenção humana e, sendo devido a essas forças, não constitua risco criado pelas condições de trabalho nem se produza ao executar trabalhos expressamente ordenados pela entidade patronal em condições de perigo evidente.

3 A verificação das circunstâncias previstas neste artigo não dispensa as entidades patronais da prestação dos primeiros socorros aos trabalhadores do seu transporte ao local onde possam ser clinicamente socorridos.

Proposta de substituição

Propomos que na alínea a) do n.º 1 a expressão «inutilizar» seja substituída por «violar».

O Sr Presidente: - Estão em discussão.

O Sr Tito Arantes: - Sr Presidente. E apenas para explicar à Assembleia a razão desta proposta de alteração. Lê-se na alínea a) que não dá direito a reparação o acidente ocorrido quando for dolosamente provocado pela vítima ou provier de acto ou omissão desta, se, sem causa justificativa, inutilizar as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal.

Podia entender-se com esta expressão «inutilizar» que seria necessário que o trabalhador tivesse inutilizado no sentido material, isto é, destruído, o dispositivo de segurança. Assim, em casos em que fosse necessário usar, por exemplo, um capacete para proteger contra a possibilidade de queda de qualquer material, e ele o não fizesse, estaria a transgredir as condições de segurança. Mas como não tinha inutilizado o capacete podia-se dizer que não inutilizava as condições de segurança. Apenas não se servia delas.

Foi por estas razões que se propôs a substituição da palavra «inutilizar» por «violar».

O Sr Pinto de Mesquita: - Sr Presidente A precedente base e a actual são como que o direito e o avesso das disposições relativas e definitórias dos limites do campo relevante dos acidentes de trabalho Nessas condições, tinha intenção de formular umas leves considerações, que ontem, dado o adiantado da hora, não formulei, fazendo-o hoje.

Em primeiro lugar, e a propósito dos acidentes de trabalho, ocorre-me ressalvar até certo ponto nos relatórios e pareceres uma falta, embora saudosista; seja uma referência nominal a pessoas que realmente batalharam e trabalharam pela defesa das vítimas destes acidentes e que pela legislação liberal do Código Civil não estavam detidamente protegidas. Nestas condições, não posso deixar de recordar que a primeira lei sobre a matéria, a Lei de 1913, foi da iniciativa do então Deputado Dr. Estêvão de Vasconcelos e referendada pelo respectivo Ministro António Maria da Silva, por sinal com a coincidência de, através da inofensiva irreverência do povo português, serem designados, em relação ao seu físico, um por um aumentativo e outro por um diminutivo dos seus próprios nomes. Convém ter presente que reformas profundas desta natureza provêm sempre da iniciativa de pessoas determinadas e bem nóminas, que é de boa justiça não esquecer. E aqui os estou a lembrar, não obstante o meu notório antagonismo político com essas pessoas, isto me acrescenta alguma autoridade, segundo creio, para os recordar neste ponto com louvor.

Mas acrescento que, realmente, os princípios desta legislação progressiva necessária não se puderam aplicar pràticamente a valer até que o movimento do 28 de Maio, vencendo o condicionalismo político de desordem e insegurança em que à data da sua promulgação se vivia, permitiu entrar-se na sua realização. Quanto a esta segunda fase, não se pode esquecer nunca o nome do Dr. Teotónio Pereira.

Não posso também deixar de lembrar aqui a primeira vez que ouvi falar de responsabilidade objectiva, e que foi através dos. trabalhos e lições do saudoso mestre Guilherme Moreira, que de entre os presentes o foi também dos Dr. Cancella de Abreu, Albino dos Reis e de V. Exa., Sr Presidente, e o qual começou a abrir-nos horizontes para tal problema.

São considerações que podem parecer à margem desta matéria, em violação, porventura, do Regimento

O Sr. Soares da Fonseca: - Violam, mas não o inutilizam.

O Orador: - Muito obrigado a V. Exa. pelo seu apoio. Posto isto, feitas estas considerações, eu queria formular uma observação no género da do meu ilustre colega Quirino Mealha. A palavra «descaracterização» da base não me parece a melhor, na certeza de que esta palavra não faz parte propriamente do texto dispositivo, é apenas um título.

Já em 1931, num trabalho que publiquei na Revista dos Tribunais sobre a matéria da distinção entre direito e facto, admiti o uso dessa palavra como possível forma portuguesa de traduzir o conceito de «dénaturation», usado em França para definir determinado vício jurídico, seja o de os tribunais deformarem certos e determinados factos para o efeito de lhes poderem aplicar certas normas jurídicas que tinham em vista. E um vício que ainda, infelizmente, se repete nos tribunais, particularmente nos acórdãos dos colectivos.