O Governo deve louvar-se e sentir-se lisonjeado com a crítica que, ao mesmo tempo, lhe aponte soluções construtivas como mera sugestão para o encontro de outras melhores, com ar definitivo. E deve dar costas aos ditirambos e hinos laudatórios, que não passam de cortinas de fumo perturbador e intoxicante da atmosfera que se quer saudável e impregnada apenas de eflúvios impulsionadores de melhores providências e obras para aumento do bem-estar da grei. E volto ao assunto.

O Sr. Pinto de Mesquita: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: -Faz favor.

O Sr. Pinto de Mesquita: -Era só para dizer a V. Ex.ª se não entende que o que é de louvar é de louvar e que o que é de criticar é de criticar.

O Orador: - Com certeza. Isso está dentro do espírito da pessoa. Mas não louvamos aquilo que se faz mal porque esperamos que se faça bem.

O Governo tem como lógica final fazer bem.

O Sr. Pinto de Mesquita: -E desgostar ...

O Orador: - Voltando ao assunto.

A crise que se verifica na agricultura metropolitana, segundo o que vozes autorizadas e qualificadas aqui têm afirmado, é provocada pelos seguintes factores, não referindo, é claro, aqueles que escapam e transcendem a humana capacidade de contrôle e resolução: falta de braços, preços desajustados, carestia dos produtos que a lavoura utiliza e excesso de intermediários. Creio ser a escassez de mão-de-obra, cada vez maior, o factor mais influente.

A procura, sobrelevando a oferta, tende a provocar a alta dos salários. Daqui e da carestia dos materiais e produtos utilizados na lavoura resulta uma alta nos custos da produção, incompatível com o nível médio de vida, e, portanto, incomportável para o consumidor, fazendo com que se tornem deficitários os rendimentos de algumas culturas e, em muitos casos, de algumas explorações agrícolas. JB a lição que se tira da estatística referente ao movimento populacional é a de que a crise da mão-de-obra tende a agravar-se de ano para ano, por influência de duas causas, quanto a mim insuperáveis: o urbanismo e a emigração, ambas exprimindo o êxodo rural, cuja finalidade, em última análise, é a procura de actividades que proporcionem salários mais compensadores.

As migrações voltadas para o ultramar, seja por imperativo da defesa dos territórios, seja em obediência a uma política de povoamento, também muito influenciam a emigração, pois tanto uns como outros - soldados e novos colonos - cedo descobrem, em contacto com a África, um novo horizonte que, ao regressarem à metrópole, lhes impede o reatamento da vida anterior.

O Sr. Pinto de Mesquita: -Muito bem!

O Sr. Pinto de Mesquita: -Muito bem!

O Orador: - Como fazer essa revisão? Ou melhor, a que deve obedecer essa revisão? É nesta altura que se torna necessária e oportuna uma chamada geral a todas as parcelas do território nacional, a fim de serem avaliadas as possibilidades de coda uma e a sua capacidade de concurso para bastança da Nação. E tem de se partir de uma base de absoluta reciprocidade e leal confiança. Não pode haver ideias ou pensamentos inconfessados. Entraremos, então, na inventariação do que pode cada parcela produzir em condições mais económicas do que as outras, não só para consumo próprio, mas também para abastecimento das demais, e nunca para nenhuma obter lucros à custa das outras.

Deste modo, chega-se à discriminação das culturas a explorar por cada parcela. Isto não deve ser feito com a preocupação de auto-suficiência total de qualquer das parcelas do território nacional. Isso nunca aconteceu em tempos anormais de colheitas abundantes, aqui.

Presentemente, a metrópole está, ou continua, deficitária em trigo, milho, azeite e arroz. Se, em tempos de paz, as coisas se passam assim, será fatal que as dificuldades se agravem em períodos de guerra, estejamos ou não envolvidos nela. Demais, mão é só Portugal que é deficitário em géneros .agrícolas essenciais. E os países que o são tiveram sempre ao seu alcance os meios para resolverem as carências dos que anais necessários são para a alimentação humana. Não somos inferiores a esses países e temos recursos de que muitos deles não dispõem. Afigura-se-me que nada haverá a recear.

O Sr. Pinto de Mesquita: -V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Pinto de Mesquita:-Estou inteiramente de acordo com V. Ex.ª, na certeza de que entre esses países, sobretudo os países industrializados da Europa, há uma riqueza que Portugal continental não tem tido. Pode vir a ter, sobretudo com o desenvolvimento das possibilidades de energia.

O Orador: - Pois o que se impõe é criar essa riqueza !

Pausa.

O Orador: - Uma vez definidas as espécies a produzir por cada parcela do território nacional, fica aos economistas a tarefa de reorganizar a comercialização dos produtos da terra e aos especialistas do direito corporativo o espinhoso encargo de reestruturarem os organismos corporativos ligados à lavoura, com acento tónico na eficiência, rapidez, economia e máximo rendimento, tudo em benefício dos agricultores.

Aos primeiros recordar-se-iam os países em que só os produtores são exportadores. E aos segundos seria recomendado que fizessem ressuscitar, em toda a sua pureza e excelência, os princípios do corporativismo. A discriminação a que se chegasse não constituiria impedimento para cada agricultor cultivar o que entender a nível de consumo doméstico. Mas, se quiserem produzir a nível de mercado, ficam sabendo que se sujeitam a todos os riscos, sem esperanças de auxílios que os salvem de aventuras de antemão condenadas ao malogro.