podia ser mandado para casa, com dispensa do serviço - mas sem qualquer subsídio para tratamento -, ou ser mandado para um sanatório, compreende-se que a junta médica optasse pela segunda solução, sem cuidar de saber se o caso era de molde a tornar imprescindível o internamento. Entre a comiseração pelo caso concreto e o eventual prejuízo daí resultante para o internamento de outros doentes, tanto ou mais carecidos de sanatorização mas cujos casos não competia concretamente à junta médica resolver, compreende-se que esta facilitasse as coisas no primeiro sentido. E outro tanto sucedia no dilema posto a respeito dos doentes já internados, quando surgia o problema de saber se haviam de ter alta do sanatório ou obter prorrogação do internamento.

De qualquer modo, a verdade é que resultavam desta bem intencionada condescendência dois efeitos nefastos: prejudicavam-se interesses de terceiros e prejudicava-se, por vezes, a própria cura do assistido.

De facto, o congestionamento dos sanatórios, com indivíduos que podiam ser tratados em regime domiciliário ou ambulatório, ou que estavam em condições de ter alta, ia retardar o internamento de outros doentes, cuja doença se ia agravando, ou definitivamente comprometendo, enquanto aguardavam a sua vez. E desse internamento - sobretudo da sua excessiva prorrogação - nem sequer o assistido muitas vezes beneficiava, pois é sabido que a sanatorização demasiado prolongada é normalmente prejudicial à cura do doente 1.

dos seus lugares já contaminados pela doença ou que vinham a contraí-la em breve prazo. Colocados no dilema de perder o lugar, indo desde logo tratar-se por sua conta, ou de aguardar os três anos de antiguidade no serviço para beneficiar de todas as regalias da assistência aos funcionários civis tuberculosos, é compreensível que optatassem pela segunda solução. Os resultados não se faziam esperar: além de representarem um perigo para a higiene dos serviços e para a saúde dos companheiros de trabalho, os funcionários nessas condições nem se tratavam convenientemente da doença nem poupavam a pouca saúde que ainda tinham, trabalhando mais do que lhe permitiam as suas forças. Quando chegavam à almejada meta dos três anos de antiguidade, tinham perdido todas as possibilidades de recuperação.

Não menos graves eram as consequências resultantes de não se ter fixado um prazo máximo para a concessão das regalias da assistência. Sem falar já do prejuízo que daí derivava para o tra tamento de outros doentes (cf. supra, n.º 12), não pode deixar de registar-se que esta anomalia do sistema acarretava dificuldades enormes para o bom funcionamento dos serviços públicos e impedia que se fizesse uma justa e equilibrada utilização dos fundos da Assistência aos Funcionários Civis Tuberculosos. Em Dezembro de 1943 - segundo se vê do relatório do Decreto-Lei n.º 33 549 -, havia cerca de mil funcionários afastados do serviço; a cifra dos assistidos há mais de quatro anos atingia perto de trezentos; e contavam-se por bastantes dezenas os que

1 Uma crítica serena e objectiva a este estado de coisas pode ver-se no livro do Dr. José de Saavedra Corporativismo o Assistência Social - Subsídios para o seu Estudo, publicado em 1989, ou seja, justamente na época em que o problema -depois de sete anos de vigência do sistema - começava a apresentar a maior acuidade. Aí se lê, designadamente (p. 105):

Passados alguns meses de melhoras sensíveis do seu estado geral... tudo estaciona: ao aspecto florido aparente do doente contrapõe-se, infelizmente, na realidade, a estabilização das lesões, e, as mais das vezes, a persistência dos bacilos na expectoração. É a ocasião de ter alta, o doente remediado ou da assistência, sem se esperar indefinidamente uma hipotética melhora, à custa de pesados sacrifícios financeiros.

... O desconhecimento destes princípios traz muitas vezes à colectividade e ao particular o dispêndio de quantias inúteis e o prejuízo ou até a morte dos que esperam a vez de ser sanatorizados. É o caso das nossas assistências oficiais e particulares aos tuberculosos.

E mais adiante, citando o tisiólogo francês Dumarest, acrescenta:

Há mais vantagem social em fazer passar pelo sanatório um grande número de doentes do que tratar com curas prolongadas os mesmos doentes. Para todos os melhoráveis, as longas curas são inúteis, moralmente, mesmo, são prejudiciais. Quando o equilíbrio funcional se restabeleceu, quando uma corta capacidade de trabalho foi recuperada, não há nenhuma vantagem em deixar implantar-se o hábito, o dogma do direito perpétuo à ociosidade. Curar alguns tuberculosos curáveis, educar, tornar conscientes e preparar o melhor possível, com o fim de voltar à vida ordinária, a grande massa dos melhoráveis e dos crónicos, tal é a função do sanatório.

A p. 106, volta a insistir na mesma ideia:

... é necessário seleccionar os doentes que se podem curar ou melhorar no sanatório, com um critério clinico, e não com um critério burocrático, por ordem de inscrição, como se faz entre nós; os doentes com bom estado geral e com lesões unilaterais deverão ser logo tratados nos dispensários pelo pneumatórax, o que evitará, a muitos deles, u perda do seu emprego ou do seu trabalho; fazer inspecções médicas aos doentes dos sanatórios e dar alta aos que atingiram a saturação climatérica, isto é, aos estabilizados sem tendência espontânea para a cura. Lembremo-nos que as sanatorizações prolongadas esgotam, sem proveito para ninguém, os fundos das insistências oficiais e particulares e vão prejudicar uma multidão de curáveis, que esperam longos meses a sua vez, e que muitas vezes, quando chega, já estão incuráveis ou têm mesmo falecido.