Tudo isto faz da presente proposta de lei, no seu conjunto, um diploma bastante mais breve, manuseável e dúctil do que a extensa Corta de Lei de 24 de Maio de 1902, extremamente minuciosa e regulamentar.

Estas circunstâncias são também de ordem a suscitar o aplauso da Câmara Corporativa quanto à orientação geral seguida pela mencionada proposta.

É de salientar ainda a louvável directriz que consistiu em encarar e resolver o problema no plano de conjunto da defesa nacional, atenta a estreita e cada vez maior interligação dos diferentes ramos das forças armadas - o Exército, a Marinha e a Aeronáutica. Outro princípio orientador invocado no relatório da proposta é o de «não perder nunca de vista, ao considerar a necessidade militar, a conveniência de impor o mínimo de restrições sobre os diferentes campos de actividade nacional em que elas hajam, por força das circunstâncias, de vir a reflectir-se».

Esse princípio merece, como os anteriores, a inteira concordância da Câmara Corporativa.

O direito de propriedade é um dos direitos fundamentais do homem. Como já se escreveu noutro parecer desta Câmara, «a propriedade é um dos redutos principais da liberdade, e esta não pode legitimamente sofrer sacrifícios maiores do que os exigidos de forma imperativa pelos interesses superiores da comunidade»1.

Por conseguinte, as restrições a esse direito básico, imposto pela própria natureza humana, devem reduzir-se ao mínimo compatível com as exigências supremas do bem comum, o que quer dizer, no nosso caso particular, que as servidões militares, restritivas da propriedade privada, só devem ir até onde as conveniências da defesa nacional imperiosamente o reclamarem.

For outro lado, a disciplina legal desta matéria tem de ser tanto quanto possível definida e concreta. As restrições ao direito de propriedade têm de constar de lei formal e expressa (Constituição Política, artigo 8.º, n.º l5.º, Estatuto do Trabalho Nacional, artigo 13.º, e Código Civil, artigo 2170.º). Para diplomas de natureza subordinada ou subalterna só se pode deixar o que constituir mera execução ou desenvolvimento de normas expressamente consignadas em textos com o valor de lei formal.

Neste ponto entende a Câmara que a proposta deve ser aperfeiçoada, em ordem a dar-se nela consagração mais clara e mais completa à doutrina que se acaba de expor, como melhor se concretizará ao fazer-se o exame na especialidade. Quanto à sistematização da proposta, é ela de manter fundamentalmente, apenas com alteração da colocação de alguns preceitos e diferente redacção das epígrafes dos capítulos.

A proposta está dividida nos cinco capítulos seguintes:

Este esquema, nas suas linhas gerais, é útil e deve conservar-se.

1 Parecer n.º 20/V, sobre o emparcelamento da propriedade rústica (projecto de lei n.º 154), nos Pareceres da Câmara Corporativa, ano do 1952, vol. i, p. 202.

Há, porém, vantagem em que a matéria da constituição (ou estabelecimento) das servidões, que a proposta regula no seu último capítulo, transite para o primeiro, a fim de se ficar desde logo sabendo como se constituem as servidões e assim se estar habilitado a melhor compreender o desenvolvimento do seu, regime jurídico, exarado nos artigos subsequentes.

Por esta razão, e pelo mais que resultará do exame na especialidade, propomos que a sistematização se passe a fazer nos seguintes termos: Do exame na especialidade, a que se vai proceder, resultará um texto em grande parte novo, pelo menos, no aspecto formal da redacção e da arrumação dos preceitos.

Por isso, no referido exame ir-se-á fazendo a apreciação das disposições da proposta e enunciando ao mesmo tempo o sentido em que há-de orientar-se a formulação do texto a propor finalmente.

Exame na especialidade Artigos 1.º da, proposta e 1º do texto da Câmara:

O artigo 1.º da proposta procura definir o objecto ou âmbito da mesma e qualifica como servidões militares todas as restrições ao direito de propriedade nela estabelecidas e reguladas.

Mas, em boa técnica jurídica, nem todas os aludidas, restrições merecem o nome de servidões.

A servidão supõe uma relação entre duas coisas de natureza imobiliária, a utilidade de uma das quais, chamada serviente, se encontra afecta à outra, chamada dominante.

A restrição ou gravame que limita a propriedade da primeira existe no interesse da segunda.

Sem este vínculo entre dois objectos, um subordinado ao outro, não há servidão.

Assim, o Código Civil define servidão, no seu artigo 2267.º, «um encargo imposto em qualquer prédio, em proveito de outro prédio pertencente a dono diferente: o prédio sujeito à servidão diz-se serviente e o que dela se utiliza dominante».

Este é o conceito de servidão em direito privad

Esse conceito, ao transplantar-se para o direito público e ao aplicar-se, pois, às chamadas servidões administrativas, a cujo número pertencem as militares, sofre inevitáveis transformações, impostas pelo carácter específico deste outro ramo do direito.

Mas há um mínimo que se tem de conservar, sob pena de se abandonar a própria ideia de servidão, e esse mínimo é a sujeição de uma coisa imobiliária (serviente) a outra coisa imobiliária (dominante).

Se falta esta relação, se a propriedade de uma coisa sofre limites estabelecidos pela lei em vista de um interesse público, mas tal interesse não está concretizado na utilidade de outra coisa, existem restrições ao direito de propriedade, sim, mas não existe servidão. Falta á coisa dominante, beneficiária da servidão, sem a qual esta se não concebe.