trabalho - e isto constitui o segundo motivo da referência que aqui lhe é feita.

Estranha sensação! Na verdade, ao fim de vinte e tantos anos gastos, a definir princípios e a tentar garantir a sua execução, custa a crer que possam ainda ser os mesmos os problemas que hoje se apresentem à economia de um sector corporativamente organizado. E custa ainda mais a crer que as soluções para esses problemas, se ainda subsistirem, devam traduzir-se em formas, se não incompatíveis, pelo menos estranhas à organização criada.

Há no trabalho do Sr. Presidente do Conselho o reconhecimento de um certo número de factores que são próprios da produção portuguesa das conservas de peixe e que, por isso, natural é que persistam enquanto a indústria existir. Referimo-nos, por exemplo, à dependência dos mercados externos e compreendemos que não possam perder a actualidade e que não devam, por isso, ser esquecidos certos períodos do seu estudo, como este que se transcreve:

A excelência do nosso peixe pode garantir-nos a preferência ou superioridade, mas não noa permite emanciparmo-nos completamente da» condições da concorrência; de fora, portanto, quer sejamos quer não sejamos senhores do mercado, hão-de em último caso vir as leis que dominarão aqui outros preços ou valores e hão-de influenciar, com funções de predomínio, os diferente» factores de produção.

Mas, ao lado da indicação de certos factores e problemas, de carácter mais ou menos permanente e de repercussões nem sempre domináveis, faz-se, ao longo do estudo, a formulação dos problemas que naquele momento eram a causa principal da crise e para a solução dos quais se criaram os órgãos corporativos e o organismo de coordenação económica próprio. Estavam neste caso a falta de ligação entre a pesca e a indústria, a pulverização das unidades industriais, a concorrência que nos mercados externos se faziam, sem benefício para ninguém, os próprios produtores nacionais.

E no tocante a esta segunda ordem de questões - a dos problemas domináveis - que se estranha a actualidade do trabalho feito pelo Sr. Presidente do Conselho em 1931. Na verdade, essa actualidade, a verificar-se, será a expressão ou da incapacidade da organização corporativa ou da sua deficiente utilização. Por isso nos demais parágrafos deste parecer se procurará averiguai-se a organização corporativa das conservas de peixe foi, na verdade, dotada de capacidade de solução dos problemas que se destinava a resolver. Tentar-se-á, em seguida, determinar em que medida os problemas foram ou não solucionados. E, em face das conclusões a que conduzirem estos averiguações, sugerir-se-ão, finalmente, as providências que à Câmara se lhe afigura deverem ser tomadas pelo Governo.

A organização da Indústria e comércio de conservas de peixe A organização da produção e comércio das conservas de peixe é, por um lado, a imediata consequência do estudo do Sr. Doutor Oliveira Salazar, referido no parágrafo anterior; por outro lado, resulta, também, da própria criação da organização corporativa e da preocupação que logo o Governo revelou de estruturar naqueles moldes as actividades que maior posição ocupavam entre as fontes da exportação metropolitana.

Quem observe o progresso dar organização, neste sector da economia facilmente enxergará o começo e o fim de cada um dos três períodos em que ela se desenvolveu.

No primeiro período a organização da produção e do comércio surge como solução de emergência, imposta pela necessidade de acudir a uma parede mestra da nossa exportação que ameaçava ruir, pelos motivos denunciados no estudo do Sr. Presidente do Conselho, e que podia salvar-se pelos métodos no mesmo estudo sugeridos.

O segundo período consiste no enquadramento, em bases corporativas, da prod ução e comércio das conservas.

O último tempo da evolução surge com o aparecimento dos organismos de coordenação económica e traduz os ajustamentos que na organização corporativa inicial foi mister introduzir para a adaptar aos instrumentos de intervenção que o Governo acabava de criar.

E se é fácil reconhecer as três fases por que passou a organização das conservas de peixe, não é mais difícil a verificação de que se não deram saltos bruscos, porque se não teve que arrepiar caminho ao longo de todo o percurso. Bem ao contrário: logo se nota que, ao criar, sob o signo da emergência, o Consórcio Português de Conservas de Sardinha, o Governo havia já tomado posição definitiva quanto aos princípios que norteariam a estruturação da economia do País.

Porque a Câmara está a apreciar uma proposta de nova disciplina da produção- e do comércio das conservas, parece conveniente registar no seu parecer as grandes fases da organização. Esse registo, que outra vantag em não tenha, obrigar-nos-á, pelo menos; a relembrar a medida da «capacidade teórica de solução» com que foi dotada a organização existente e impor-nos-á ainda momentos de reflexão útil sobre a utilização que dessa capacidade tenhamos feito ou possamos ainda fazer. As soluções preconizadas pelo Ministro das Finanças em Dezembro de 1931 tiveram a sua tradução legal nos diplomas publicados em 27 de Agosto do ano seguinte: Decretos com força de lei n.ºs 21 621, 21 622 e 21 623, que, respectivamente, regulamentou a indústria de conservas de sardinha, criou o Consórcio Português de Conservas de Sardinha e reuniu diversas disposições sobre o condicionamento da industria de conservas de peixe.