cinco séculos, cuja história acaba de ser enriquecida pela assinatura do presente. Acordo, agora remetido para ratificação à Assembleia Nacional por um representante excelso das mais altas e mais nobres tradições universitárias portuguesas, - o Sr. Prof. Paulo Cunha, Ministro dos Negócios Estrangeiros. Em regra, as Convenções políticas ou político-económicas dirigem-se a realidades eminentemente actuais. Não têm passado, ou o seu passado não interessa. Pelo contrário, as Convenções ou Acordos culturais constituem o produto não só de necessidades presentes, mas de razões históricas e tradicionais cujo conhecimento importa a sua perfeita compreensão,

porque representam, em geral, para as Altas Partes contratantes, um título de orgulho e uma. vasta capitalização de experiência. Para se ter a noção exacta da sua significação e do seu alcance é preciso olhar para trás. Será o presente que os aconselha; mas é o passado que os justifica. O Acordo cultural entre Portugal e a Bélgica, se o não abonasem fortes razões de política pragmática (respectivas sobretudo à nossa vizinhança no continente africano e à consequente necessidade de uma colaboração estreita para o estudo de certos problemas comuns), bastaria o deslumbrante panorama de cinco séculos de intercultura para distribuição do« volumes e dos valores, observação meticulosa do documento humano - que havia de tornar possível, pouco depois, o caso genial e Nuno Gonçalves. O parentesco das duas pinturas acentuou-se com a permanência de Bernardo van Orley em Portugal; com a forte impressão produzida entre nós pela arte de Memling; com as sucessivas encomendas do obras de mestres flamengos feitas pela nossa feitoria do Bruges; com a execução, nas oficinas dos tapeceiros de Bruxelas e de Tournai, de panos de armar tecidos sobre cartões de pintores portugueses (tapeçarias de Arzila, magistralmente estudadas num trabalho notável pelo presidente da Academia Nacional de Belas-Artes, Sr. Prof. Reinaldo dos Santos). Conhecem-se também, e são particularmente brilhantes - em especial no período áureo da Renascença -, as relações interuniversitárias dos dois países. Enquanto Nicolau Clenardo, mestre flamengo, latinista, belenista, hebraísta, arabista, vem dirigir em Portugal os estudos do futuro mãos de um rei-de-armas de Carlos V. E a literatura? Quem ignora que Bruxelas, assistindo por duas vezes à representação de obras dê Gil Vicente, abriu - ao teatro português as portas do Mundo? Em 1030 foi o Auto da Lusitânia, levado à cena na Embaixada de Portugal, perante toda a corte, como refere André de Resende no Genethliacon; um ano depois, em 1031, outra peça vicentina, hoje perdida, Jubileu de Amores, cujo «erasmismo» suscita amargos comentários ao legado do Papa Clemente VII. E o jornalismo? Quem precioso da hemerografia nacional? Mas, já o dissemos: a intercultura luso-flamenga não é apenas uma tapeçaria histórica destinada a guarnecer as paredes de um- museu. É uma realidade viva. E uma actualidade fremente. Sem prejuízo do seu idealismo cristão, que nele mantém intacto o culto do passado, o hércules loiro do Brabante, laborioso e tenaz, realiza a sua missão civilizadora construindo duramente, àsperamente, o futuro. Um contraste inesperado, surpreende quem chega hoje n Antuérpia: ao lado da alta torre gótica da catedral, maravilha de elegância e de espiritualidade, erguem-se os vinte e três andares do maciço e moderníssimo Boerentoren, um dos primeiros arranha-céus da Europa. Toda a Bélgica está ali, nesse contraste que é um símbolo, nessa aliança que é uma força. Ao tranquilo fulgor das velhas cidades da Renascença, trípticos de pedra em que há sempre um município, uma catedral e um castelo, respondem hoje, na zona do ferro e do carvão, em Liège e em Charleroi, o clarão vermelho e ciclópico dos altos-fornos, as instalações -gigantescas da grande metalurgia, os fábricas eriçadas de chaminés como florestas, os portos, as docas, os bairros mineiros, as cidades operárias, o Mundo agitado, metálico, estrepitoso, vertiginoso que Verhaeren cantou nas Forces Tumultwenses e nas Villes Tentaculares. Novos interesses da vida e da cultura vêm, não substituir-se aos antigos, mas associar-se a eles. Já não há apenas Universidades clássicas; há Universidades do Trabalho. Em 1908 o Mundo assiste ao singular es-