cursos ocasionalmente realizados por iniciativa do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, ainda não foi dado até hoje qualquer passo sério para transitar da palavra à acção, encarando em plano de conjunto a tareia da formação de dirigentes e da criação e uma verdadeira mentalidade corporativa, cuja urgência tão insistentemente se apregoou nos últimos anos.

A isso vem a presente proposta de lei, cuja necessidade fica assim sobejamente demonstrada.

Oportunidade da proposta

na, pois não faria realmente sentido que se desse um passo de tanta importância para a estruturação do nosso sistema corporativo, como é o da criação das primeiras corporações, sem se empreender a tarefa de doutrinação há tanto tempo reclamada. Com razão se diz no relatório da proposta que «doutra sorte correr-se-ia o risco de vir a ter-se, porventura, uma construção corporativa integral e quanto possível perfeita, mas privada de alma, vazia de sentido e sem projecção».

Esta e «alma», esta «projecção» e este «sentido» só poderão tê-los as corporações se forem apoiadas por uma crescente consciência corporativa e fie forem servida» por dirigentes bem doutrinados e tecnicamente preparados para dar aos problemas as soluções que devem ter. Insistiremos nesta última nota por virtude da especial importância de que ela se reveste para que as corporações venham a ser o que se pretende que elas sejam.

A proposta de lei do Governo que institui as corporações vem acompanhada dum valioso relatório onde se apontam, com particular vivacidade, as razões que levam o Governo a desejar que elas sejam juridicamente autónomas. Aí se diz (n.º 20) que, ao atribuir às corporações a qualidade de pessoas colectivas de direito público, pretende reafirmar-se «o princípio sempre proclamado da natureza associativa do sistema corporativo português» e pretende-se, sobretudo, que essas corporações, juridicamente autónomas, como «representantes legítimas e naturais das actividades que integram, harmonizem as divergências dos interesses e se apresentem perante o Estado como a imagem viva do País, na sua economia e na sua vida intelectual e moral».

Ora é evidente que, para tudo isto não ser letra morta - mantendo-se um corporativismo sempre proclamado de natureza associativa e sempre praticado como corporativismo de Estado-, é necessário que as corporações sejam servidas por dirigentes bem adestrados, com perfeita consciência da sua missão e com os conhecimentos técnicos indispensáveis para neles se poder depositar confiança.

Perante dirigentes improvisados, sem clara noção dos seus deveres, sem cultura adequada, sem espírito corporativo bem formado, a tutela do Estado surge sempre como inevitável, pois maior mal seria deixar a organização entregue a ineptos. E entra-se então num círculo vicioso: o Estado proclama a necessidade dum certo grau de consciência corporativa para que os vários organismos fiquem entregues a si próprios e sejam verdadeira expressão dum corporativismo autónomo; como esse grau não existe, sente-se autorizado a exercer a sua tutela sobre esses. organismos; e exercendo esta tutela automaticamente impede que se desenvolva aquela consciência corporativa que há-de justificar a sua progressiva autonomização.

A única maneira de quebrar este círculo vicioso é a da preparação de dirigentes qualificados, que possam merecer a confiança bastante, quer dos dirigidos, quer do próprio Estado. Só nesse momento a consciência corporativa poderá progredir como é necessário; e só nesse momento o Estado poderá efectivamente aliviar a pressão da sua tutela sobre os organismos corporativos, permitindo que estes sejam, não apenas nominalmente, mas de facto, a expressão dum corporativismo autónomo. A oportunidade da proposta, portanto, afigura-se indiscutível. O único comentário que a esse propósito poderia ainda fazer-se -depois de tudo quanto já deixámos dito - é o mesmo que um dia Salazar fez, em idênticas circunstâncias: «Isto não pode merecer outra crítica que não seja a de se não ter feito mais cedo» 1.

Devia, na verdade, ter-se feito mais cedo. Certo é que nunca faltaram esforços, boas vontades e realizações concretas no sentido da criação duma mentalidade corporativa e da formação dum escol directivo, podendo pois dizer-se que, na medida do possível, sempre se procurou dar execução ao pensamento que hoje inspira esta proposta de lei. Simplesmente, é este um dos casos em que não podemos ficar-nos na «medida do possível». A doutrinação e a reforma da mentalidade, como todas as tarefas que exigem fé, entusiasmo e dinamismo, têm de tomar como padrão «a medida do

dirigentes sindicais, que teve larga frequência e proveitosos resultados.

1 Cf. Discurso, vol. III, 1938-1943, p. 867, e Antologia, p. 193.