Projecto de decreto-lei n.º 519

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de decreto-lei n.º 519, elaborado pelo Governo sobre as alterações a introduzir na Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e Justiça), à qual foram agregados os Dignos Procuradores Álvaro Salvação Barreto e José Albino Machado Vaz, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

Apreciação na generalidade A Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, admitiu, no seu artigo 69.º, alínea c), um novo fundamento de despejo, consistente em o senhorio se propor fazer obras destinadas a possibilitar o aumento do número de arrendatários.

Trata-se, na verdade, de um fundamento novo no nosso Direito, visto que antes da referida lei não era facultado ao senhorio despejar o arrendatário ou arrendatários para o indicado fim.

Sem dúvida, os inquilinos já se encontravam de há muito, pode dizer-se que desde sempre, sujeitos a ser despejados para o efeito de realização de obras. Mas esse fundamento era diverso do estabelecido pela Lei n.º 2030 e, aliás, ainda persiste, como não podia deixar de persistir, com autonomia, à margem da citada lei. Referimo-nos ao despejo imposto pela necessidade de fazer obras destinadas à conservação do edifício arrendado. Já as Ordenações contemplavam esta hipótese, permitindo ao senhor da casa lançar fora dela o alugador para a «renovar ou repairar de adubios necessários» (Ordenações Filipinas, livro IV, título XXIV). E a mesma hipótese está hoje regulada no artigo 21.º, n.º 3.º, do Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919, no artigo 51.º, n.os 18.º e 19.º, do Código Administrativo, e no artigo 167.º do Regulamento Geral das Edificações urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38 382, de 7 de Agosto de 1951.

Diferente é o alcance da acima mencionada alínea c) do artigo 69.º da Lei n.º 2030, pois a sua aplicabilidade não depende da necessidade de trabalhos de conservação do prédio, não visa possibilitar a realização desses trabalhos, mas antes a de obras tendentes a permitir o acréscimo do número de arrendatários.

Vem isto a propósito, para acentuar a novidade da doutrina consagrada naquela alínea, como determinação legislativa sem precedentes entre nós.

Dada esta circunstância, é realmente de aconselhar que, decorridos mais de oito anos sobre o começo da vigência dessa doutrina legal, se procure fazer a apreciação crítica das suas vantagens e desvantagens, tomando relativamente ao problema uma posição esclarecida por experiência que em 1948 ainda não existia.