hoje; e tanto que, por exemplo, o problema é já posto com impressionante clareza e pleno de actualidade no famoso diálogo entre Sócrates e Adimante:

O que dá origem à sociedade não é a impotência em que cada homem se encontra de se bastar a si próprio e a necessidade que ele experimenta de muitas coisas? Assim, se a necessidade obrigou o homem a juntar-se a outro homem e uma outra necessidade a outro homem ainda, o complexo destas necessidades reuniu, num mesmo local, vários homens com o fim de se auxiliaram mutuamente, e a esta sociedade demos o nome de Estado.

Com esta e outras mais considerações, o filósofo acaba por condensar as suas ideias num conceito que veio a ser principio fundamental no serviço da ciência económica:

De onde se conclui que se fazem mais coisas, que se fazem melhor e mais facilmente, quando cada um faz aquilo para que é apto em tempo útil e desde que não tenha de preocupar-se com outra tarefa.

E o princípio da «divisão social do trabalho» já perfeitamente definido e que, por desenvolvimento e complementaridade, se continua num outro princípio seu derivado, o da «divisão técnica do trabalho», de aplicação generalizada com o progresso económico. No rápido esboço que se deixou traçado não foi feita alusão expressa a tantos outros factores determinantes do fenómeno «cidade», entre os quais haveria que salientar forçosamente as razões de ordem espiritual e cultural que apontam para a elevação e aperfeiçoamento dos indivíduos, mercê da sua entreujuda, e para a soma de benefícios que o simples facto da existência de uma comunidade organizada manifestamente possibilita.

Tem sido, pois, um grande complexo de causas esse que vem desencadeando a progressiva concentração das massas populacionais em aglomerados urbanos, que culmina no extremo limite de «cidades-colossos», com milhões de habitantes.

Esta corrida acelerada do campo para a cidade, em torrente irreprimível (até agora, pelo menos!), levantou o problema crucial do urbanismo, sobre o qual se têm debruçado os estudiosos, sobretudo economistas e sociólogos, desde longa data, para o examinarem nos seus múltiplos aspectos e concluírem na sua generalidade por um diagnóstico carregado de tristes conclusões.

Certo que o processamento histórico da cidade não revela uma linha ascendente contínua no aumento populacional dos grandes centros urbanos. Há, pelo menos, uma interrupção, ou, melhor, um retrocesso, na marcha ascensional da concentração urbana - considerada esta como fenómeno geral e universal-, facto operado após o decurso da Antiguidade Clássica e já nos primeiros séculos da Idade Média. Enquanto naquele período aparecem cidades que atingem cifras demográficas muito altas, mesmo à luz da nossa época - tais como Roma (900 000 habitantes), Alexandria (500 000) ou Atennas (150 000) -, na primeira parte da época medieval os mais populosos centros urbanos não ultrapassavam 30 000 ou 40 000 habitantes.

Não seria lícito alongarmo-nos sobre o condicionalismo que provocou esta regressão do fenómeno geral do urbanismo, em que concordam os historiadores. Bastará dizer que, após a queda do Império Romano e a dominação dos «bárbaros», e sobretudo com as invasões muçulmanas na Europa, a cidade acusa um definhamento sensível, o sistema que passa a predominar é o de uma economia doméstica de base agrícola (economia dominial fechada). E é só nos séculos X, XI e XII que o progresso urbano volta a acentuar-se com a intensificação do comércio entre terras distantes, em que adquirem papel de maior relevo as mais florescentes cidades italianas (Veneza, Génova e Pisa), poderosos fulcros de ligação entre o Oriente e Ocidente, passando pelo Mediterrâneo, até à Flandres (Bruges) e daqui para o mar do Norte.

Mais tarde, com os Descobrimentos, tomaram os Portugueses, como é sabido, a primazia na rota do Oriente-Ocidente, e mudou o eixo comercial do Mundo, que passou de Veneza para Lisboa, transformando-se esta nossa cidade em grande empório mercantil, foco polarizante e irradiante no Mundo conhecido de então.

O progresso urbano acompanha toda esta evolução, em linha sempre ascendente, porque não mais se detém ou retrocede. Mas é depois com a primeira revolução industrial - eclodida em finais do século XVIII e projectada em cheio no século XIX - que a concentração demográfica se acelera a ritmo espectacular, principalmente no que se refere às grandes cidades. E é então, lògicamente, que o urbanismo adquire a feição de um grande problema nacional na generalidade dos países.

porque as maiores cidades são importantes centros de consumo e de distribuição, bem como repositórios inesgotáveis de mão-de-obra, as indústrias revelaram sempre tendência para ali se instalarem, contribuindo assim para o seu crescimento pletórico e desordenado; agravado ainda o facto com o