Projecto de Sugestão ao Governo, nos termos do artigo 23.º do Regimento

N.º 750/VII À caça, aplicado o termo de acordo com a amplitude da definição legal, representa hoje um conjunto de valores que toda a sociedade organizada tem o dever de considerar.

A querermos sistematizar um pouco a enumeração desses valores, pudemos reconduzi-los a duas rubricas principais: a caça como meio de valorização da pessoa humana, considerada esta nos seus aspectos espiritual e físico, e a caça como valor puramente económico.

Embora sem nos determos, agora, a fazer a análise profunda de cada um deles, não podemos, no entanto, deixar de os referir, pois é esta a melhor forma de tornar evidente aquilo que com este trabalho pretendemos demonstrar: a necessidade urgente de o Governo tomar as medidas indispensáveis à subsistência do elemento condicionador dessa acção valorizadora de que falámos há pouco - o nosso cada vez mais empobrecido património cinegético.

Só quem desconheça por completo o clima em que se desenvolve a actividade venatória poderá ignorar os efeitos benéficos do "terrível vício" sobre o espírito e o corpo daqueles que o têm. Espécie de sortilégio que não distingue classes e condições, ele constitui uma das formas de evasão necessária ao equilíbrio daqueles que, ao precisarem absolutamente de um derivativo, nem sempre terão o senso ou a sorte de escolher o que mais lhes convenha.

Considerando-a, ainda, debaixo do seu primeiro aspecto, temos de referir, também, a acção formativa e humanizadora da caça, ao obrigar à mais íntima convivência pessoas de meios, às vexes, bem diferentes uns dos outros e que têm de constituir um conjunto em que todos são forçados a integrar-se, sob pena de, por menos espírito de colaboração, camaradagem, adaptação e sacrifício, comprometeram todo um empreendimento; o manuseamento de objectos que constituem perigo para a vida dos outros e da nossa e que há, portanto, que usar com cuidado e domínio de todo o ímpeto que possa trazer consequências más; a sujeição a uma ordem jurídica que estabelece com precisão as horas, os dias, a parte do território, em que se pode caçar, etc.

Como meio de educar os nervos, arejar os pulmões e fortalecer os músculos, poucos desportos haverá tão completos como o da caça. A verdade contida em semelhante afirmação é tão evidente e tão unanimemente aceite que nos parece escusado demonstrá-la. No entanto, a querermos falar de um só dos múltiplos aspectos de que a preparação física, conseguida através do desporto da caça se reveste, lembremos que, em todos os exércitos, o homem que melhor aguenta a marcha, revela sentido de orientação mais apurado, descobre antes de todos onde passa o veio de água, mais depressa descortina o elemento estranho à paisagem e melhor se esconde no terreno... é o caçador. Definidos, embora bastante a correr, os efeitos benéficos que o desporto venatório produz nas pessoas que o praticam, vamos deter-nos, agora, a apreciar a caça como valor económico, valor cujas verdadeiras proporções, parece-nos, muito poucos terão avaliado.

São em número superior a 150 000 os portugueses que todos os anos tiram licença de caça. 150 milhares de indivíduos que, embora representando o que na escala social há de mais díspar, se irmanam e nivelam mal pegam na espingarda ou empunham o varapau, dominados por aquela tendência atávica que, nos pri-