Alteração da Constituição Política

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca do projecto de lei n.º 23, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e Política e economia ultramarina), à qual foram agregados os Dignos Procuradores António Júlio de Castro Fernandes, Carlos Barata Gagliardini Graça, Domingos da Costa e Silva, José Augusto Correia de Barros, José Caeiro da Mata, José Gabriel Pinto Coelho e Rafael da Silva Neves Duque, sob u presidência de S. Exa. o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

Apreciação na generalidade O projecto de lei n.º 23, apresentado por um grupo de onze Srs. Deputados, u frente dos quais se inscreve o nome do Sr. Carlos Alberto Lopes Moreira, caracteriza-se por pretender reforçar ou vincar um certo número de afirmações programáticas daquela parte da Constituição referente à metrópole e ao ultramar a que a doutrina costuma hoje chamar «constituição social». De um modo geral, pode dizer-se que um projecto concebido predomina n temente com este alcance é um projecto que não quadra com os objectivos que deve visar uma lei de revisão. Não é, pois, de estranhar que, na especialidade, a Câmara Corporativa venha a pronunciar-se pela sua não aprovação. Seja, porém, como for, o projecto foi apresentado em tempo (artigo 176.º, § 2.º) e sobre ele a Assembleia pode, portanto, deliberar.

Exame na especialidade Duas objecções preliminares opõem-se à aprovação deste artigo do projecto. Em primeiro lugar, não deixaria de chocar que em 1959 .se fizesse à Constituição o adicionamento de um preâmbulo, que, por verdadeira ficção, aí passaria a figurar como se dela constasse desde 1933. Desde que a Constituição não foi inicialmente votada com um preâmbulo desta ordem, não deixa de ser incongruente antepor-lho agora em termos de se querer fazer entender que ele consta dela desde início e como correspondendo a vontade do legislador constituinte de 1933. Em segundo lugar, u Nação, contra o que 110 texto proposto se diz, não votou pelos seus representantes eleitos a lei fundamental em questão. Todos sabem que ela foi aprovada pelo plebiscito nacional de 19 de Março de 1933. Nas constituições do século passado e do nosso encontra-se frequentemente a invocação do nome de Deus por parte do legislador constituinte, seja ele o povo no seu conjunto, sejam os seus representantes membros de assembleias com poderes dessa ordem. Uns e outros declaram então proceder a em nome de Deus», invocam a Sua protecção ou pretendem legislar e com a Sua ajuda».

O significado geral desta invocação da Divindade pode, talvez, resumir-se no seguinte: visando a constituição estabelecer uma ordem total e instituir estavelmente um dado sistema de valores, uma determinada concepção da vida, a exigência da permanência, da estabilidade dessa ordem é servida e de certo modo assegurada na medida em que a lei que a consagra se coloca desde a origem sob a invocação e protecção do Ente Supremo. O direito constitucional estabelecido adquire um carácter de certo modo propício à sua desejada perpetuação.

Outro alcance hoje em dia não pode geralmente atribuir-se a semelhante invocação, não devendo seguir-se aquela conhecida doutrina de Cari Schmitt, na sua Verfassungslehre, de que esta sorte de preâmbulo» (e outros em que se enunciam mais ou menos vagamente certas declarações de princípios) tem uma importância de primeira urdem na construção jurídica e na interpretação e aplicação dos preceitos de determinada ordem jurídica, os quais só teriam sentido com estas «decisões políticas fundamentais». A melhor doutrina parece ser a de que tais invocações e declarações de princípios de nada servirão se não se traduzirem num sistema de normas e de instituições concretas realmente inspiradas por elas. Se é certo que estás normas e instituições carecem então de sentido se as não conexionarmos teleològicamente com essas «decisões políticas», não é menos certo que estas, por sua vez, só tom sentido constitucional na sua vinculação com aquelas. Estas considerações inclinam a Câmara para que se não deva atribuir ao projectado adicionamento uma importância tal que force as consciências à sua apro-

1 Cf. Manual Gracia - Polayo Derecho Constitucional Comparado Madrid, 1950, pp. 78 o 98 o seguintes; Costantino Mortati, La Costítusione in Senso Matcriale, 1940, pp. 55 e seguintes e 131 o seguintes.