Na verdade, a possibilidade desses prejuízos deriva das repetidas quedas de folhas e, sobretudo, da incidência de sombra durante o Verão e do escorrimento da água da chuva no Inverno, factos estes geralmente nefastos às culturas e até às habitações.

Estes inconvenientes sito do conhecimento geral e a eles começa por aludir o relatório do projecto em discussão; lembrando mesmo as queixas dos proprietários que deram origem a um parecer da Junta Consultiva de Obras Públicas e Minas, cujas recomendações, aliás todas tendentes a disciplinar e orientar a arborização marginal das estradas, foram mandadas observar por Portaria de 19 de Fevereiro de 1875.

Ora, se o prejuízo para as propriedades confinantes com as estradas existe, de facto, deve a lei, pelo respeito que merece o direito de propriedade, permitir, em princípio, seja evitada a sua continuação. Reduzido a estes termos, pode dizer-se que o problema é o do conflito entre dois interesses, público um e privado o outro.

Tudo se simplificaria se, no plano dos valores relativos, o interesse público fosse de tal maneira valioso em relação ao outro que devesse postergá-lo. Mas não é o caso; também o interesse privado tem valor eminente, segundo os princípios da ordem social em vigor.

Pode, assim, dizer-se que ambos os interesses são dignos da protecção da Lei, e, por isso, o conflito terá de se resolver mediante uma fórmula de equilíbrio entre eles. E tal fórmula só não deverá ser empregada quando se tratar de árvores cuja integridade deva ser respeitada, precisamente por deverem considerar-se de específico interesse ornamental.

Nestas condições, torna-se manifesto que o comando legal cuja revogação o- projecto em discussão se propõe decretar não deve subsistir tal qual está redigido. o Acresce que não pode haver paralelo entre os poderes da Administração e os dos particulares, porque o não há entre a situação de uma e as dos outros. Enquanto para os particulares o corte dos ramos das suas árvores que pendem sobre as estradas será normalmente uma operação simples, feita debaixo da vista directa dos donos, e para a qual o prazo de três dias parece razoavelmente bastante, para a Administração o prazo é pequeno.

Não pode deixar de ter-se em conta que a operação de corte lucrará em ser feita nas épocas próprias, por pessoal adestrado e' em obediência a processos que poupem o mais possível as árvores atingidas, enfim dentro de uni condicionalismo adequado à defesa de um interesse geral.

Ora, se se aceitar esta orientação, é patente que o prazo previsto na lei vigente é absolutamente impróprio. O aviso dos interessados ao pessoal do serviço das estradas, a comunicação deste aos superiores hierárquicos, as ordens para o trabalho e a execução dos cortes, tudo em três dias, é uma sucessão de actividades incompatível com a acção, naturalmente morosa, de uma administração hierarquizada. Por este modo, e em resumo, a Câmara Corporativa dá a sua aprovação, na generalidade, ao projecto do decreto-lei em apreciação.

Exame na especialidade É tão escasso o âmbito do projecto em causa que a discussão dele na generalidade e na especialidade dificilmente se podem apartar. Por isso, na segunda só se vê lugar para dizer que a Câmara entende dever o projectado decreto-lei ser substituído por um diploma em que, constituindo o actual artigo único daquele o artigo 1.º, em artigo 3.º se acrescente ao artigo 88.º do Estatuto das Estradas Nacionais, em substituição da parte suprimida do seu § 3.º, um novo parágrafo, no qual se dê satisfação nos modos de ver expostos na generalidade.

III Pelos fundamentos expostos, é parecer da Câmara Corporativa que o projecto de decreto-lei em discussão deve ser substituído por outro com a redacção seguinte:

§ 4.º Quando na zona das estradas haja árvores que estendam os seus ramos sobre propriedades particulares e desse facto resultem apreciáveis prejuízos, os legítimos possuidores daquelas poderão requerer se proceda ao corte dos iramos que ultrapassarem o plano vertical definido no parágrafo anterior.

Os requerimentos serão apresentados durante os meses de Outubro, Novembro, Dezembro e Janeiro, indicando-se neles o número e a localização das árvores e os prejuízos que causam.

Nos quinze dias posteriores à apresentação dos requerimentos a direcção de estradas decidirá se as árvores devem ou não considerar-se de interesses histórico, ornamental ou paisagístico ou se, independentemente dessa circunstância, devem considerar-se relevantes os prejuízos invocados.

A decisão será notificada aos interessados no prazo de três dias.

No caso de indeferimento com base no carácter ornamental ou paisagístico das árvores, caberá recurso, no prazo de dez dias, para o presidente da Junta Autónoma de Estradas. Se o indeferimento se fundamentar no carácter histórico das árvores, caberá recurso para o Ministro da Educação Nacional. Do indeferimento baseado na falta de relevância dos prejuízos invocados cabe recurso hierárquico nos termos gerais.

Deferido o requerimento, procederá o pessoal dos serviços das estradas aos cortes que lhe forem ordenados, no prazo de oito dias. Decorrido este prazo sem os cortes terem sido efectuados, poderão os requerentes faze-los.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Afonso Rodrigues Queira (entendi que, não estando as estradas, como parcelas do domínio público, sujeitas à generalidade das restrições de interesse privado, não há que atribuir aos proprietários confinantes o direito de exigir o corte dos ramos do arvoredo plantado na zona de terreno que as estradas pertence. No conflito entre o interesse privado e o interesse público