pode, nas condições actuais da existência, considerar-se economicamente imune contra as contingências do futuro.

Em especial, no aspecto das eventualidades capazes de pôr em risco a vida e a integridade física - por outras palavras, no capítulo da defesa da saúde - o extraordinário encarecimento dos meios de combate à doença, com as novas técnicas de diagnóstico e terapêutica, constitui, por si só, factor importantíssimo de insegurança económica, pois a generalidade das- pessoas não pode, hoje em dia, suportar, ao menos sem penoso sacrifício dos seus meios de subsistência, as despesas de uma doença grave ou prolongada.

Assim se compreende que, em nenhuma época como a presente, as aspirações de segurança social se manifestem por forma tão intensa e, sobretudo, tão universalmente sentida.

Como disse Walter Eucken, «a exigência de segurança é um problema universal. Em cada época a insegurança revela-se de maneira distinta. Mas, hoje, a necessidade de segurança cres ceu em medida desconhecida até agora na história. E é problema que não afecta esta ou aquela camada social, mas sim todos os grupos, simultânea ou alternadamente, interessando em maior ou menor, escala a toda a gente».

Pode acrescentar-se - reproduzindo afirmações do bispo de Bérgamo ao encerrar a XXIII Semana Social dos Católicos Italianos - que o sentido da história se desenvolve na direcção da segurança social e que será inútil qualquer oposição ao gradual reconhecimento do direito que todos têm de ver garantido o necessário para que a sua vida exterior seja conforme à sua dignidade interior9.

6. Cabe agora perguntar: porquê estas reflexões sobre o fenómeno da segurança social a propósito do método a seguir na apreciação da proposta de lei em causa?

A resposta é simples. Aquele fenómeno deu lugar, na generalidade dos países, a novas concepções em matéria de protecção contra os ruços específicos da vida social -, que não podem ignorar-se ou esquecer-se ao estudar os problemas suscitados pela revisão de um dos sectores directamente responsáveis por essa protecção.

Assim, para além do exame da proposta sob o ângulo restrito do condicionalismo de ordem interna que porventura a justifica, importa verificar em que medida a forte corrente, que hoje em dia agita as políticas nacionais no sentido da «segurança social», eventualmente aconselha a revisão dos métodos e finalidades que informam a proposta do Governo.

O relatório ministerial, embora reconhecendo os perigos inerentes aos sistemas de segurança social integral (n.º 75), considerou «dispensável» mais larga referência ao movimento internacional da segurança social (n.º 77).

Não o entende assim esta Câmara, e antes crê haver todo o interesse - sem embargo de as dificuldades da sua tarefa se verem assim extremamente acrescidas - em que a proposta seja também examinada à luz dos modernos conceitos da segurança social, sem dúvida um dos grandes imperativos do nosso tempo, a cuja força actuante não podem furtar-se as políticas nacionais, e, portanto, também a do Estado Português.

Isto, evidentemente, sem perder de vista o» princípios ético-políticos que orientam o nosso sistema, bem como as possibilidades do País.

Já em Fevereiro de 1946 o Presidente do Conselho afirmava:

A política social que nos surge como marca inconfundível da época presente postula melhor aproveitamento e mais justa distribuição das riquezas, e nem um nem outra serão possíveis sem sujeição a planos, que em muitos casos transcenderão o nacional para se situarem no domínio mundial 10. A conveniência de integrar o estudo da proposta no quadro mais vasto que acaba de delinear-se impõe determinada razão de ordem na sequência deste parecer.

Assim, num primeiro capítulo serão expostos, sucintamente, os sistemas de protecção contra os riscos sociais no limiar da segunda guerra mundial, que constituíram os antecedentes da política contemporânea de segurança social.

A explanação das linhas gerais desta política e dos princípios basilares que a informam será dedicado o capítulo seguinte.

Num terceiro capítulo far-se-á breve análise e apreciação do sistema português.

Por último, à luz do resultado desses estudos, será então possível abordar, num quarto capítulo, os problemas de carácter geral suscitados pela proposta de lei.

Os sistemas de protecção contra os riscos sociais no limiar da segunda guerra mundial.

Antecedentes históricos

Travail, L'OIT face à l'évolution du monde, Rapport du directeur général à la 42ème session de la Conférence Internationale du Travail, Genève, 1958, p. 72. Cf. infra, n.ºs 34 e seguintes.

10 Salazar, Discursos e Notas Políticas, vol. IV, p. 206. Dois anos antes -Maio de 1944- dissera: «Parece-me seguro que na resolução de muitos problemas que interessam à vida de cada nação se hão-de fazer sentir as ideias dominantes e as realidades, sobretudo económicas e sociais, que a guerra revelar e a paz confirmará. A interdependência doe povos e o peso das grandes economias nacionais já no passado vedavam a muitos deles a pretensão de ama diaba autónoma de só conduzir a moagem das ideias e dos processos correntes. Assim será mais acentuadamente amanhã, se à colaboração espontânea nascida do jogo dos simples interesses particulares acrescer uma fórmula qualquer de mais estreito entendimento ou cooperação no estudo e satisfação das necessidades do Mundo». (Discursos, IV, p. 56).

E em Dezembro de 11056 reafirmava o mesmo pensamento: «O período que aí vem passar-se-á sob o signo do económico e do social - isto é, vai assistir-se a um esforço gigantesco porá o desenvolvimento e criação de inovas riquezas e em esforço igualmente serio para uma distribuição equitativa» (vol. V, p. 521)