siderar a profissão médica como a entendia a concepção individualista do século passado.

Nos dias de hoje a medicina colectiva desenvolveu-se extraordinariamente, em detrimento da medicina individual. Os progressos do diagnóstico e da terapêutica, exigindo a cooperação de técnicas especializadas e cada vez mais complexas, colocaram o médico isolado em condições de manifesta inferioridade nos meios de acção. A medicina passou a ser essencialmente uma actividade de grupo e o hospital assumiu posição de primeiro plano na organização sanitária.

Estas profundas transformações dos conceitos da saúde como direito fundamental do indivíduo, que à sociedade cumpre garantir, e da medicina como técnica de equipa, implicam novos deveres por parte dos doentes, dos médicos e da própria comunidade.

Quanto aos doentes, é necessário educá-los. Todos, seja qual for a sua Condição social, devem persuadir-se de que no hospital podem encontrar tudo, o que é necessário para, o seu tra tamento eficiente. A ideia do médico pessoal ou familiar - cuja, escolha tantas vezes se baseia em factos completamente estranhos à competência profissional - tende gradualmente a desaparecer. No hospital, O doente não é entregue aos cuidados de certo médico, porque dele lhe fizeram boas referências, mas a um corpo clínico designado mediante severas provas de aptidão e dirigido por profissionais experimentados. O elemento de confiança, que a moderna medicina psicossomática põe em relevo, nada tem a ver com o médico pessoal.

No que respeita aos médicos, cumpre reconhecer que nas Faculdades de Medicina não se ensina a função social do médico nem a sua contribuição para a segurança social. Cada médico sómente considera a sua actividade individual em face do doente, e um dos males da, medicina contemporânea está em que, para a maior parte dos médicos, o enfermo é um «cliente». As exigências da vida reclamam que o médico tenha todos os dias certo número de «clientes». Importa outro, se torna mister dar expressão prática ao preceito da solidariedade entre todos os elementos da Nação52.

Não se diga que tudo isto equivale a «socializar» a medicina, a transformar o médico num funcionário ao serviço da comunidade, Medicina colectiva não é sinónimo de colectivização da assistência médica. Função social da medicina não significa burocratizarão da clínica. De modo nenhum se pretende que o Estado integre a classe médica num serviço público, nem que se impeça a livre escolha do médico pelo doente. Pretende-se, isso sim, sejam criadas as condições necessárias para que todos - independentemente da sua fortuna ou posição social - possam tornar efectivo o direito à saúde, tendo ao seu dispor uma organização que assegure, não apenas a prevenção sistemática das doenças, mas também, aos que a ela quiserem recorrer, meios completos e eficientes de tratamento e de recuperação para a vida activa. Trata-se de dever indeclinável da sociedade para com o indivíduo.

Nada disso, porém, contende com a livre escolha do médico, nem com o recurso à medicina curativa privada para todos aqueles que continuem a dar-lhe preferência. Exposta a doutrina, vejamos agora as realizações53.

O primeiro país a dar efectivação completa ao princípio da universalidade para todos os riscos sociais foi a Inglaterra, através das leis baseadas no relatório Beveridge, a que se aludiu.

Alguns anos antes (1938), como também vimos, já a Nova Zelândia tinha estendido a todos os residentes, (excepto para o subsídio pecuniário na doença) a protecção contra os riscos sociais.

Nos restantes países, a tendência para a generalização do âmbito de beneficiários varia consoante as eventualidades cobertas, e a natureza - em dinheiro ou em espécie - das prestações.

a) Assim, no que respeita às prestações sanitárias na doença e maternidade, o sistema está generalizado a toda a população nos seguintes países: Austrália, Canadá (hospitalização) Islândia, Noruega, Suécia e Rússia.

Para os subsídios pecuniários nas mesmas eventualidades, nenhum país (nem a Inglaterra ou a Nova Zelândia) aplicou por ora o princípio da universalidade. A concessão do subsídio é normalmente restrita aos trabalhadores por conta de outrem (empregados e assalariados). Somente a Inglaterra abrange, neste aspecto, os trabalhadores independentes, mas o seguro é

51 Fr. Agostino Gemelli, «La difesa della salute in un sistema di sicurezza sociale», Atti della XXIII Settimana Sociale del Cattolici Italiani, Bologne, 1949, p. 227.

52 Fr. Agostino Gemelli, ob. cif., pp. 209 e seguintes.

53 As referências pormenorizadas ao nosso país constam do capítulo III deste parecer.