Mortalidade por doenças cardiovasculares

O número de óbitos por doenças cardiovasculares foi, assim, em 1959, de 26,4 por cento da totalidade de óbitos verificados (97 754), sendo cinco vezes maior que o dos causados por todas as formas de tuberculose (4628), cerca de três vezes o dos causados por tumores malignos (8244) e por pneumonia (7812). Estes números revelam a necessidade de desenvolver larga actividade neste sector. É preciso, como se dizia no citado parecer desta Câmara, reduzir os efeitos da doença, «primeiro profilácticamente, atacando as suas fontes, entre as quais o reumatismo, a sífilis e a arterioesclerose, depois pesquisando, tratando ou facultando o tratamento e orientando profissionalmente o cardíaco».

Os meios de profilaxia e tratamento vão-se mostrando cada vez mais eficazes, sobretudo pela eficiência de novas técnicas cirúrgicas e de novos recursos terapêuticos, pelo que a esperança» de cura é cada vez maior e mais justificada.

Hoje, é já possível, quando não obter a cura completa, prolongar a vida das pessoas afectadas destas doença» por 20, 30 anos e até mais. Mas as doenças do coração não constituem problema exclusivamente médico; têm de ser encaradas também sob o aspecto social, pois não atacam apenas as pessoas idosas. Atingem igualmente o homem na idade em que a sua actividade é mais produtiva.

Faltam, entre nós, estatísticas completas sobre o gíria u de incidência das doenças do coração relativamente à idade, profissão, etc. No entanto, os resultados não podem ser muito diferentes daqueles que se verificam noutros países, e de que dão conta os apontamentos seguintes, extraídos do Boletim da Sociedade Belga de Cardiologia (tomo VIII, 1960, n.ºs 1 e 2).

Em França 4 a 5 por cento dos trabalhadores são atingidos por doenças do coração.

Na Bélgica a percentagem de inválidos por cardio-patia a cargo da «Assurance Maladie-Invalidité» aumentou de 6 por cento em 1,946 para 20 por cento em 1955, referindo-se estes 20 por cento a três vezes mais indivíduos do que os 6 por cento verificados em 1946, o que mostra o aument o do número absoluto de doentes entre os trabalhadores.

Um inquérito americano revelou 9 por cento de cardiopatias em indivíduos entre os 30 e os 59 anos em Framingham (Massachusetts) e mais de 12 por cento em indivíduos, entre os 35 e 64 anos em Baltimore. Torna-se necessário, pois, fazer alguma coisa por estes doentes.

Em primeiro lugar impoe-se divulgar á ideia do que, ao contrário do que é corrente pensar-se entre leigos, o cardíaco não está impossibilitado de exercer lima actividade útil.

No seu trabalho «Os doentes do coração sob o aspecto médico-social» o Doutor João- Porto indica mais de 160 profissões acessíveis a cardíacos de diversos grupos, o que mostra as largas possibilidades de os empregar, evitando-lhes um repouso forçado, que até no aspecto médico- tem efeitos perniciosos.

Em muitos casos é possível encontrar o trabalho que convém ao cardíaco dentro da profissão que vem desempenhando; outras vezes a solução consistirá numa ocupação diferente, dentro da mesma empresa ou fora dela, ocupação não especializada ou de fácil especialização.

Muitas vezes, porém, terá de haver uma mudança radical de trabalho, o que importa a criação de serviços que proporcionem ao cardíaco a possibilidade de se preparar para o exercício de nova profissão.

Uma sondagem levada a efeito pelo Instituto. de Cardiologia. Social, envolvendo o estudo de 605 doentes crónicos das consultas de cardiologia de Lisboa, mostrou ser viável a recuperação de 36,53 por cento no exercício da mesma profissão e de 32,23 por cento no exercício de profissão diferente da exercida anteriormente. Contudo, as percentagens de desempregados eram de 22,62 e de 88,64, respectivamente, para os recuperáveis na mesma e noutras profissões.

Se existissem serviços especializados de reeducação profissional estes números- seriam mais baixos.

Urge, pois, fazer a estimativa da capacidade de trabalho dos cardíacos e desenvolver os processos tendentes à sua reabilitação.

Deverá evitar-se que os cuidados e vigilância médica e os esforços clínicos empregados sejam destruídos por um ritmo de vida e um tipo de trabalho impróprios. A acção profiláctica e terapêutica, a divulgação de princípios, as técnicas de investigação médica e de reabilitação social dos cardíacos terão de ser organizadas, orientadas e prosseguidas por órgãos preparados e dotados das condições que a natureza da tarefa exige.

Esses órgãos terão de utilizar os meios existentes e criar os que faltam ou desenvolver os insuficientes, aproveitando, nomeadamente, as possibilidades que a organização corporativa facilita no aspecto da recuperação para o trabalho, como sugere, na obra citada, é Prof. João Porto, que especialmente se tem dedicado ao estudo do problema médico-social dos cardíacos.

Funcionam, actualmente, além de clínicas de cardiologia, em Lisboa, Porto e Coimbra, o Centro de Cardiologia Médico-Social de Coimbra, criado em 1940, e o Instituto de Cardiologia Social, fundado em Maio de 1957, tendo como fim último a prestação de assistência médico-social aos doentes do coração.