Cumulando-se estes requisitos, parece à Câmara lícito sacrificar a vontade do indivíduo, a sua liberdade, ao seu próprio interesse, inteirando-o contra vontade.
Ou em nome da defesa social, ou em nome do próprio interesse do internado, a admissão em regime fechado caracteriza-se, portanto, em face da admissão em regime aberto, pela irrelevância da vontade do internado, que pode até, se fugir, ser reconduzido ao estabelecimento manu militari (base XXXVII proposta).
O projecto governamental (base I n.º 3) prevê quatro regimes de tratamento dos doentes mentais ambulatório, domiciliário, de colocação familiar e de hospitalização.
Só este último porém - ao qual prefere a Câmara denominar internamento, porque por hospitais só são referidos os estabelecimentos previstos nas alíneas i) e j) do n.º 1 da base XI do projecto governamental - é regulado em detalhe. Os outros são pura e simplesmente omitidos.
Ora, quanto a eles põem-se da mesma forma problemas de equilíbrio entre a tutela da liberdade pessoal e a necessidade de a restringir em tratamento psicossanitário. Isto mesmo revela a Constituição Política da República Portuguesa quando no seu artigo 8.º § 4.º. equipara, para o efeito de exigir «ordem por escuto da autoridade competente», a «detenção em estabelecimento de alienados» a «detenção em domicílio privado».
Abordado o problema parece à Câmara, antes de mais, que como no hospitalar.
Numa lei de bases, parece só caber a equiparação em princípio do tratamento domiciliário em regime fechado ao inteiramente em regime fechado em estabelecimento particular; criando-se para o primeiro a figura do responsável pelo tratamento, que será em princípio o requerente do mesmo (que por esse motivo não poderá ser um órgão público).
Em princípio, portanto, deveria como orientação de base nesta matéria bastar a base XXIII, n.º 2, proposta. Quis-se, no entanto, fazer aflorar essa equiparação em pontos especiais sempre que se fez sentir uma razão convincento. Assim, pelo facto de a necessidade de autorização superior para que tal situação jurídica se constitua ser disposição constitucional (artigo 8.º, § 4.º, da Constituição Política), é a Câmara conveniência em afirmar tal necessidade na base X, alínea e); como tal autorização levanta problemas particulares, são estes resolvidos na base XXIX proposta; a tripartição de formas de tratamen to tem refluxo na repressão penal dos abusos neles cometidos (base XXXVI proposta), e na base XXXVII convém indicar todos os casos em que certa pessoa capaz pode por virtude de tratamento psiquiátrico, ser compelida a manter-se em certo local a fim de permitir a contrario sensu qualificar de ilícita a retenção em qualquer outro caso.
Mas estes afloramentos do princípio geral já contido na referida base XXIII, n.º 3, não podem significar a contra que se não aplicam as restantes regras referentes ao internamento em regime fechado - como as da base X proposta, alínea f) ou da base XXXVIII como meros exemplos (e sem contar com as bases redigidas em termos amplexivos, como o base XXXIX, n.º 1).
É possível que esta jurisdição de uma matéria que tem sido tradicionalmente confiada ao bom senso das famílias e autoridades administrativas e policiais traga consigo um retraimento das pessoas e ocuparem-se de dementes, ainda que seus familiares quando necessitem de os submeter a regime fechado o entanto, as regias que a Câmara propõe parecem lhe necessárias para evitar que com o pretexto da incapacidade mental (não oficialmente verificada), se coarcte a liberdade dos indivíduos. E o inconveniente apontado não é grande, pois tais dementes estarão sempre melhor em estabelecimentos próprios do que em casas de família (1).
A lei nesta matéria, tem ser sempre muito melhores que os factos.
Se o internamento em regime fechado em serviços do Estado oferece garantias que justificam a dispensa de uma necessária autorização judicial, contentando-se a Câmara com a proposta de uma necessária autorização administrativa, repugna no entanto mais que mediante simples acto da Administração, se vergue a liberdade de um particular pondo-a a mercê de outro particular.
A situação é demasiado parecida com um cárcere privado para a Câmara não sentir que exige cautelas especiais. E assim, o internamento em regime fechado em estabelecimento particular e a sujeição do doente a tratamento ambulatório em regime fechado são regulados na proposta da Câmara de harmonia com o sistema da autorização judicial (intervenção judicial necessária preventiva en ante facto).
O pedido de ta l internamento ou sujeição a tratamento será sujeito a aprovação por parte do Centro de Saúde Mental, que o enviará seguidamente ao tribunal competente. Só depois da autorização deste o doente poderá ser internado.
Quaisquer pormenores do sistema poderão ser desenvolvidos em regulamento.
(1) Ainda claro que o estabelecimento seja dos referendos na alínea h) da base XV ou «lares educativos, ainda que seja ainda que semi internamento (internamento de dia ou de noite).
(1) Poderia até pensar-se em proibir o tratamento domiciliário em regime fechado. Não parece porém a Câmara aconselhável privar parentes e amigos da faculdade de zelarem, em condições de especial sacrifício, por um doente mental