28 Apreciação dos fine propostos perante outros fins intrínsecos

do falecido

29 Apreciação dos fins propostos perante os fins intrínsecos de

outras pessoas

30 Problemas específicos resultantes de a colheita de tecidos e

órgãos ter de recair no cadáver de pessoas recém-falecidas

31 Estruturação das situações jurídicas fundamentais, relativas

ao aproveitamento de cadáveres para os fins propostos 82 Conformidade genérica do projecto com os princípios defendidos.

Exame na especialidade

33 Sistematização da presente parte do parecer

34 Elementos utilizados neste estudo

35 Finalidades admitidas para a colheita de tecidos e órgãos cadavéricos

37 Entidades competentes para a colheita e destino dos tecidos e órgãos recolhidos

§ 3.º Aspectos particulares

39 Princípios fundamentais - a estruturação das colheitas em conjunto

40 Condições subjectivos da colheita

41 Condições objectivos da colheita

42 Execução da colheita

48 Utilização dos tecidos ou órgãos recolhidos

44 Responsabilidade e penas

III OBJECTO DO PARECER - O projecto de decreto-lei n.º 516/VII, sobre o qual a Câmara Corporativa foi ouvida, versa sobre a colheita de órgãos e tecidos em cadáveres humanos.

Não se trata de regular toda e qualquer colheita efectuada em cada veies, e ainda menos regular, em conjunto, o destino destes O projectado decreto-lei tem por objecto o regime jurídico da utilização de órgãos e tecidos, extraídos do corpo de pessoas recém-falecidas, para uns terapêuticos, por meio de enxertos em corpo vivo, e, acessoriamente, paia nus de investigação cientifica.

Este aproveitamento de cadáveres não é o único possível, tal como o enxerto de órgãos ou tecidos de morto no vivo não é a única forma conhecida de enxertos no corpo humano.

Convém, por isso, para melhor localizar o problema e estimar a matéria em causa, começar-se por, nesta introdução, analisar em geral o destino do cadáver segundo a legislação vigente e verificar quais as formas de aproveitamento porventura já aí consagradas. E cumpre também daí uma pequena notícia acerca do direito comparado, no que se refere ao objecto do diploma em estudo, e acerca da elaboração deste.

Em geral, o destino do cadáver resume-se na inumação. Por evidente desnecessidade prática, a lei sem sequer enuncia o princípio de que o corpo das pessoas falecidas deve ser sepultado, e limita-se a regular os termos em que se deve efectuar o enterramento (Código do Registo Civil, artigos 239º e seguintes), a única excepção prevista paia esse princípio é a da cremação, que, embora condenada pela Igreja Católica em razão do significado que se lhe tem pi e tendido atribuir, a nossa lei permite em termos mais ou menos restritos (código citado, artigos 243.º e seguintes)

Independentemente, porém, da inumação do cadáver, a lei admite que este seja objecto de certas providências, que redundam em aproveitamento dele para determinados nas de interesse geral os fins de investigação judiciária e os de investigação cientifica e ensino.

Suo estas aplicações excepcionais que nos interessa examinar, em virtude da evidente relação que podem ter com o objecto deste parecer

O exame de cadáver es para fins de investigação judiciária é muito antigo, e não parece desinteressante referir-se que já nos fins do século XVI e princípios do século XVII alguns juristas portugueses debateram o problema de saber se era lícita a exumação de cadáver es paia neles se fazerem exames destinados a esclarecer suspeitas de crime e a colhei provas forenses, questão que resolviam afirmativamente, embora dando conta das dúvidas que então se suscitavam não só acerca da licitude dessa exumação, mas também do valor probatório dos indícios colhidos em cadáveres, já depois de sepultados (1).

Na legislação vigente o preceito mais genérico é o do artigo 226.º do actual Código do Registo Civil, no qual se estabelece que, "havendo indícios de morte violenta ou quaisquer suspeitas de crime ou declarando o médico ignorar a causa da morte, deve o funcionário do registo civil, a quem o óbito for declarado, abster-se de lavrar o assento e comunicar o facto às autoridades judiciais ou policiais, a fim de estas promoverem a autópsia do cadáver e as demais diligências necessárias à averiguação da causa da morte e das circunstâncias em que teia ocorrido".

Além desta disposição, deve mencionar-se o artigo 84.º do Código de Processo dos Tribunais do Trabalho, que, além dos casos de morte devida a acidente de trabalho (hipótese compreendida na de morte violenta, prevista no Código do Registo Civil), admite a autópsia de cadáveres de pessoas falecidas em consequência de doenças profissionais

Estas autópsias encontram-se reguladas em legislação bastante dispersa. Além dos artigos 181.º e 191.º do Código de Processo Penal, há que observar-se o disposto nos antigos 6.º e 7.º da Cai ta de Lei de 17 de Agosto de 1899 e no Regulamento dos Serviços Médico-Legais de

(1) Jorge Cabedo, Decisiones Suprems Senalus Regns Lusitaniac, Lisboa, 1608, parte I, dec CLXXIV - Na judex possit ex officio cadavere mortuorum crure e sepulcris ad ea inspicienda, cum praesumptio sit defunctum mortuum esse vulucre aut veneno2, Melchior Febo, Decisiones Senatus Regns Lusitaniac, Lisboa, 1619, parte I, Arestum CLI, Mendes de Castro, Pratica, Lusitana, tomo I, Lisboa, 1619, livro V, capítulo I, n.º 85. Os casos discutidos são dois, ocorridos, respectivamente, em 1592 e 1615, mas Cabedo refere que os desembargadores mais antigos lho haviam confirmado que sempre se havia procedido por forma idêntica à daqueles casos.

Extraímos estes elementos de uma nota inédita do Dr. Nuno Espinosa Gomes da Silva, amavelmente cedida pelo autor.