elementos, confere-lhe um grau de elevação muito superior, não só ao dos outros seres terrenos, mas até ao que a natureza humana por si poderia postular; com razão, pois, Schmaus (repetindo, aliás, um pensamento de Pascal) afirma, num trecho por nós já citado, que um homem transcende infinitamente o próprio homem.

Da doutrina exposta se extrai também, com igual clareza, qual o valor e dignidade do cadáver para a concepção cristã do homem.

Antes de mais, importa pôr-se em relevo que, ao contrário do corpo vivo, o cadáver humano não tem finalidade directa, em si mesmo considerado. O homem, e tudo o que nele existe, nomeadamente o corpo, destina-se directa e intrinsecamente ao serviço de Deus como pessoa, isto é, como ente singular e autónomo, de actuação confiada à própria liberdade e responsabilidade, e é por isso dotado de dignidade que nenhum outro ser da terra pode igualar. Inversamente, o cadáver em si mesmo não tem qualquer finalidade - é ele próprio a negação da como é- que a matéria do corpo vivo está em constante eliminação e renovação; o simbolismo, animado de verdadeira piedade, prefere as honras das flores e das velas, que, com o viço e com a luz, representam a alma imortal e a presença do morto na memória dos outros homens, e que, com o seu mesmo murchar e consumir-se, dão testemunho de aos vivos ser sensível a trágica sorte do cadáver na qual eles querem acompanhá-lo com algo que lhes pertença e os represente.

A dignidade do cadáver não se funda no que ele é actualmente, mas naquilo que de foi, e também nó contraste entre o presente e o passado, e no que ele há-de vir a ser na eternidade.

Que há, com efeito, no cadáver para ele se impor ao respeito dos vivos?

Como corpo, ele fez parte de um ser humano; comungou nos fins e na dignidade dele; recebeu o ser de ascendentes venerados ou interveio na geração de entes queridos; foi liame entre o falecido e aqueles que o estimaram; integrado na vida desse homem, quinhoou perfeita e elevada. Tal é, segundo a concepção cristã que temos vindo a expor, o valor do corpo humano e do cadáver, em especial - valor que, decerto, não reside neles próprios, senão na dignidade transcendental do homem, mas que, por isso mesmo, é realmente imensa e deve ter-se por merecedora de toda a veneração.

Para alguns autores, o cadáver não pode qualificar-se de coisa, antes deve aproximar-se da personalidade jurídica. Esses são, todavia, autores que se fundam mais em intuições oriundas das tendências e atitudes correntes a respeito do cadáver do que em princípios de ciência jurídica, conscientes e reflectidos, e, por tal motivo, não tem logrado conquistar a opinião comum dos jurisconsultos.

Outros, pelo contrário - a maioria, cumpre reconhecer-se -, sustentam que o cadáver se deve enquadrar na noção jurídica de coisa, e apenas se dividem no tocante à classificação dele nas várias espécies por que se repartem as coisas; para uns, tratar-se-á de coisa no comércio, para outros, de coisa fora do comércio, e, finalmente, outros ainda, defendem soluções intermédias e por vezes pouco definidas. Todos, porém, se sentem inclinados a cotejar os problemas suscitados pelo cadáver com a doutrina referente às pessoas e aos direitos a elas relativos; com este facto provam, no entanto, que não conseguem fugir às intuições que vimos inspirarem o primeiro grupo de autores e que, por causa delas, se vêem compelidos a, de certo modo, cair em contradição.

A par deste segundo grupo de doutrina, a prática tem revelado forte tendência, por nós apontada acima, no n.º 9, para «dessacralizar» a pessoa, sujeitando-a a um tratamento jurídico que, progressivamente, a aproxima da condição das coisas.

Olhando-se às orientações mais generalizadas, vê-se, pois, que elas conduzem a soluções híbridas e incaracterísticas, e por isso mesmo muito perigosas. Estas correntes doutrinárias começam por sustentar que o cadáver é coisa, e depois inclinam-se para definir o regime dele em função da teoria das pessoas; e se por este modo parecem r evelar certo pendor de cambiante personalista e humanista, não é menos verdadeiro que ao fazê-lo contribuem para esbater a diferença radical que separa as pessoas das coisas. Correntes práticas, por seu lado, sem se darem ao trabalho de procurar outra justificação que não seja a da observação empírica da vida jurídica, tendem para colocai-as pessoas na situação de coisas; folgando com o recuo da «sacralidade» das pessoas, por elas vista como simples preconceito eu superstição. Embora movendo-se em terrenos diversos, estas duas ordens de tendências implicam um movimento convergente de aproximação das pessoas e das coisas, privando as soluções da doutrina jurídica de real interesse científico e prático e abrindo caminho às