de investigação científica, o segundo dos quais, no entanto, parece ser considerado no projecto com certa hesitação e reserva.

Nos artigos 2.º a 4.º regulamenta-se a recolha no que respeita ao consentimento do falecido e da família e, conquanto se procure facilitar a obtenção de órgãos e tecidos e se queira providenciar sobre este assunto por forma adequada à urgência das intervenções para tal necessárias, pode sustentar-se que, em geral, se nota nestas disposições a preocupação de satisfazer cabalmente a todos os interesses em causa.

Nos artigos 5.º a 9.º fixam-se as condições técnicas e administrativas em que deve efectuar-se a colheita, e também neste ponto o projecto se mostra, nas linhas gerais, ponderado e prudente.

Finalmente, nos artigos seguintes, depois de se regulamentar a distribuição de tecidos e órgãos, proíbe-se qualquer remuneração ou indemnização pelo facto da recolha, define-se a responsabilidade pelos encargos de conservação dos tecidos e órgãos, prevê-se a responsabilidade penal por efeito das colheitas ilegais, permite-se ao Ministro da Saúde e Assistência autorizar o estabelecimento de bancos de olhos e outros órgãos por entidades públicas ou particulares, e, por fim, determina-se a data de entrada em vigor do diploma projectado.

Vistas em conjunto, as disposições deste revelam claramente a preocupação de introduzir entre nós os novos aproveitamentos do cadáver com a necessária prudência, bem como respeitar os vários fins que por eles podem ser postos em causa. E em alguns aspectos o projecto opta por soluções mitigadas, como se infere das restrições que, aliás com alguma contradição, se fazem a respeito do fim de investigação científica, assim como da proibição de qualquer indemnização pela colheita de órgãos ou tecidos, a qual, como se pode concluir do autorizado ensinamento de Pio XII, não é de rejeitar in limine, e constitui, pelo menos, uma questão moral ainda em aberto (126).

É claro que e m diversos pontos a doutrina do projecto merece reparos ou necessita de ser esclarecida, mas esse aspecto pertence ao exame na especialidade. Tomado na generalidade, o projecto mostra-se, segundo cremos, em harmonia com os princípios ditados pela justiça e pela prudência e merece portanto o franco aplauso da Câmara Corporativa.

Exame na especialidade

Pela leitura do respectivo articulado verifica-se, no entanto, haver nele diversos aspectos comuns, em relação aos quais é indispensável tomar-se previamente posição, sem o que não poderão apreciar-se, com a devida consciência, as soluções contidas em cada preceito em particular.

Por tal motivo dividiremos esta parte do parecer em dois parágrafos distintos o primeiro será consagrado exactamente ao exame daqueles aspectos comuns, que são, afinal, alguns dos mais importantes e que dominam todo o diploma projectado, em outro parágrafo, consideraremos em pormenor cada uma das disposições ou dos grupos de preceitos em que se desdobra o projecto.

Por esse motivo convém registá-los aqui em termos genéricos.

Antes de mais, devem mencionar-se os documentos fornecidos pelo Ministério da Saúde e Assistência a esta Câmara. De entre eles merece referência particular um articulado relativo ao tema deste parecer, donde julgamos ter sido extraída a versão definitiva do projecto. Sobre esse texto, a que por convenção daremos o nome de «anteprojecto», foram ouvidas diversas entidades (Ministério da Justiça, Faculdades de Medicina, órgãos de coordenação da assistência, hospitais, etc.), e pelos respectivos pareceres e informações, acompanhados da correspondência a respeito deles trocada por essas entidades com o Gabinete do Ministro da Saúde e Assistência - peças também enviadas a esta Câmara -, pode seguir-se em muitos pontos a génese do projecto definitivo. Elementos importantes foram também cedidos ao relator pela Direcção-Geral de Saúde. Devem citar-se, em especial, um douto parecer da Faculdade de Medicina do Porto, datado de 15 de Abril de 1959 (do qual consta, nomeadamente, um articulado de bases sobre a colheita e aproveitamento de tecidos e órgãos), e um conjunto de bases elaboradas por aquela Direcção-Geral, postas em confronto com a redacção que para elas foi sugerida pelo serviço do contencioso do Ministério da Saúde e Assistência e com o texto definitivamente proposto pela mesma Direcção-Geral de Saúde. A estes elementos, de muito interesse para o nosso objectivo, chamaremos genericamente «bases».

Deve aludir-se, finalmente, a um conjunto de valiosas informações obtidas através dos ilustres Prof. Doutor Jorge Horta, antigo bastonário e representante da Ordem dos Médicos nesta Câmara, e Arsénio Nunes, director do Instituto de Medicina Legal de Lisboa.

Todos estes elementos foram de relevante utilidade e é de inteira justiça salientar-se o contributo que forneceram para o exame do projecto na especialidade.

Na verdade, o artigo 1.º permite a colheita de órgãos e tecidos que forem considerados necessários para fins terapêuticos ou de investigação científica ligada às técnicas de enxerto de tecidos humanos. Logo o § 2.º do mesmo artigo alude, porém, a colheitas destinadas a fins de investigação cientifica sem qualquer restrição, no caso de morte devida a doença infecto-contagiosa, e, sendo certo que em tal hipótese os tecidos não podem, pelo menos em princípio, ser usados em enxertos, não há dúvida d e que esse pre-(...)

(126) Discurso e lugar citados, p. 24.