Vem, primeiramente, o número de construções e a tendência evolutiva que revelam; já sabíamos que a construção não cobriu o deficit de reposição (faltando, em média, uns 4000 fogos cada ano); mas tem interesse examinar a tendência, francamente progressiva de 1954 até 1958 e, esporadicamente, em 1961. O interesse dessa tendência é o seguinte: suponhamos que se fixava como meta do programa habitacional resolver as dificuldades já enunciadas até 1985, isto é, com o novo plano de três anos e mais três planos hexenais; entrando com o deficit carencial de 1964 (que situamos em 500 000 fogos), supondo que o nível de construção nesse ano terá sido de 30 000 fogos e admitindo, ainda, que se podia extrapolar durante mais decénio e meio o valor estimado para o deficit de reposição (34 000 novos fogos por ano), seria necessário construir, nos 20 anos, cerca de 1,3 milhões de fogos - isto é, que. o ritmo actual de construção progredisse sem desfalecimentos à taxa de 7,5 por cento ao ano. Ora foi essa- a taxa de 1953-1961, o que mostra a viabilidade da meta apontada. O cumprimento de um programa desse género não é. porém, compatível com a estrutura que o mesmo quadro reve-la no que respeita às entidades impulsionadoras da construção - e daqui podem sair linhas fundamentais para a política a formular.

O ponto-chave está no peso do sector privado a trabalhar na modalidade de renda livre - o qual é excessivo entre nós. A iniciativa privada em empresas lucrativas move-se, na aplicação de capitais, em busca do taxas altamente remuneradoras; que isso não é concordante com programas sociais de habitação, mostram-ino os números portugueses (as «rendas livres» absorveram 91,3 por cento das construções totais do decénio, ou 96 por (tento do total de realizações do sector privado). Mas não sendo programas sociais, estaremos a resolver, com prioridade, o problema habitacional das classes ricas (corno aconteceu, exactamente, 1.10 decénio transacto), tendo de aguardar-se do desenvolvimento económico do País e da consequente elevação média- de rendimentos que as restantes classes ascendam às rendas exigidas por uma habitação, dessas que são remuneradoras para o capital privado; e, pior do que isso ainda, estaremos a desperdiçar capitais em construções caras, pois são essas que justificam tais rendas remuneradoras - e os números das contas nacionais portuguesas, que também se mostram no parecer subsidiário, esclarecem sobre este ponto. Efectivamente, no mesmo decénio, o País imobilizou em alojamentos 19,2 por cento da formação bruta de capital fixo, o que deveria ter permitido resolver substancialmente o problema habitacional, em vez de o agravar (tal percentagem compara-se perfeitamente com as do resto da Europa, como mostra o quadro IV do parecer subsidiário); todavia, o «investimento urbano do nosso país, carecido de orientação adequada, gastou num número relativamente pequeno de edificações caras [...] capitais que, melhor aplicados, permitiriam [...] um número muito superior de fogos» (Parecer, cit., n.º 12).

Tudo quer dizer que se impõe uma reorientação profunda, no sentido de a construção passar a ser, essencialmente, constituída por programas de intenção social. Se alguém cuidasse que a única via aberta era a da socialização (no sentido de estatização) das habitações, haveria que fazer notar no quadro apresentado as colunas relativas à acção das cooperativas e às construções para rendas limitadas, além de também se pedir a distinção entre entidade construtora e regime jurídico de fruição, no que respeita aos fogos construídos com investimento público. Tudo isto, que é elementar, convém fique afirmado pela Câmara, a prevenir reacções emocionais que, no fundo e com serenidade de espírito, se vê nada significarem senão interesses feridos.

Como se passam as coisas na Europa? Com a ressalva de que as estatísticas internacionais a seguir apresentadas (e reproduzidas do parecer subsidiário já citado) dão ao nosso país uma posição mais favorável da que se consegue obter olhando às próprias informações nacionais que andam publicadas e atrás se referiram, temos:

Contribuição relativa do sector privado e cooperativo e do sector público para os programas de construção habitacional