comenta-se, com pertinência: «muito apreciaria esta Câmara conhecer os processos em estudo para fixação de médicos fora das cidades de Lisboa, Porto e Coimbra, posto que da exequibilidade de tais processos dependerá um melhor aproveitamento das pequenas unidades hospitalares já construídas» (n.º 20.º do parecer) - mas nada de construtivo se adianta.

Anotações semelhantes valem para o pessoal auxiliar; mostram-se efectivos, verifica-se um aumento, ainda que desequilibrado; mas custa a compreender que a proporção entre médicos e profissionais auxiliares não ande pela ordem de grandeza 1:6 ou 1:8; ora não chega a alcançar 1:3, mesmo contando o «pessoal de enfermagem».

Todavia, reconhecida a prioridade do problema, mal pareceria que a Câmara apenas o referisse, quando tanto se preocupou em analisar e sugerir soluções para aspectos de modo nenhum tão importantes para o País. Aceita-se, evidentemente, que nem o assunto estará plenamente esclarecido, não havendo doutrina pacífica, nem convém prender-se a Câmara (ou aconselhar se prenda o Governo) desde já a uma determinada orientação. Mas só haverá vantagem em contribuir para racionalizar a escolha dos caminhos que se oferecem.

naturalmente, em termos mais do que proporcionais ao nível de rendimentos, isto é, com preocupações redistributivas.

Onde vão receber-se esses cuidados de saúde? Em muitos casos, os mais correntes e simples, terá de ser em centros disseminados, de acordo com a própria distribuição local das populações. Mas toda a acção mais complexa terá de ser concentrada, por imperiosa exigência das novas técnicas e descobertas científicas, a impor a especialização das funções e o uso dos equipamentos - uma e outra coisa incompatíveis com pequenas escalas de utilização e, portanto, com a disseminação. Esta é a doutrina da lei portuguesa pelo menos desde 1946, com a orgânica hospitalar estratificada segundo uma hierarquia técnica; e crê-se que, da história mais antiga, ao procurar justificação para instituições como as Misericórdias ou os primeiros hospitais (que representaram «revoluções» na medicina e nos hábitos sociais, não se esqueça), nenhuma lição poderá colher-se d iferente desta da concentração dos meios que o progresso vai sucessivamente facultando para bem dos homens.

O que se crê não ter sido levado às suas consequências lógicas- é o efeito destas ideias e tendências inelutáveis sobre a situação dos médicos. Viveram decénios a cuidar dos grupos sociais superiores, recebendo por isso remuneração que lhes permitia atender também um pouco às necessidades médicas mais prementes dos pobres - e sempre se apontou, por isso mesmo, a carreira médica como um «sacerdócio».

Mas já o próprio recurso aos meios de tratamento ou de prevenção não muito modernos se revela impossível, para a generalidade da população, na estrutura actual: os partidos médicos, essencialmente dirigidos a zonas rurais, e as subdelegações de saúde têm tão vasto e disperso campo de acção que se torna impossível atender verdadeiramente às populações; e não é solução subdividir ainda um pouco as correspondentes áreas, pois sempre ficará, e mais agrava do, o vício fundamental - as populações pobres não «sustentam» o médico e a lei assenta em que o pulso livre, para a clientela particular, deve constituir a base da existência material desses clínicos.

Parece inútil tentar concluir outra coisa diferente da urgência de uma orgânica em que seja a comunidade a assegurar a necessária cobertura de saúde. - e comunidade não significa, necessariamente, estatismo. Uma organização orientada neste sentido pode resolver o problema financeiro; mas nada adianta quanto ao aspecto técnico, o da disponibilidade de meios profilácticos, terapêuticos e de recuperação que a ciência faculta, mas que se torna indispensável não ficarem estiolados pela rigidez das estruturas ou pela falta de engenho dos homens.

Aqui, temos já apontada solução portuguesa na lei. E quando o projecto do Governo vem agora enunciar objectivos como os que seguem, acredita-se que irá dar-se finalmente um grande passo em frente (Actas, cit., p. 686):

1.º Continuação da construção de hospitais centrais e regionais com vista à concentração de todos os meios técnicos adequados às suas funções, sem prejuízo da conclusão das obras em curso nos hospitais sub-regionais;

3.º Promoção do estabelecimento de carreiras de médicos e técnicos auxiliares e de condições para a sua fixação nos centros regionais.

Merece, pois, todo o aplauso a orientação preconizada, e acerca das verbas a investir só se poderá dizer que são exíguas. Certamente que o Governo não irá estruturar e concretizar os projectos de novos hospitais regionais sem estudar previamente o relatório da Comissão de estudo para a reforma da estrutura dos hospitais centrais - para o qual o parecer subsidiário chama a atenção (n.º 14). O que a Câmara não concebe é que tal relatório venha a sair muito fora do que ela mesma pensa em quanto respeita a estas orientações básicas e tão gerais, assentes na razão, nas experiências de todo o Mundo e nos pontos fracos e pontos fortes da própria experiência e evolução histórica portuguesa.