Afastada, como foi, a primeira hipótese quanto ao sector privado, tem de concluir-se que o investimento urbano do nosso país, carecido de orientação adequada, gastou num número relativamente pequeno de edificações caras, inacessíveis à grande massa da população, capitais que, melhor aplicados, permitiriam, pela construção, a custa médio baixo, de um número muito superior de fogos de renda ajustada ao nível de vida do povo português, resolver, em prazo mais ou menos curto, o problema nacional do alojamento. De dois modos o facto evidenciado no número anterior se reflecte na conjuntura do sector da habitação.

O primeiro, que já foi posto em relevo, consiste no desajustamento manifesto entre as características do investimento do sector privado e o tipo das necessidades nacionais a satisfazer.

O segundo (que, em última análise, constitui corolário do primeiro), desdobra-se nos seguintes aspectos básicos:

a) Alto índice de desocupação, consequência do excesso da oferta sobre a procura no mercado específico da habitação cara e da insuficiência da oferta no tocante a fogos de renda ajustada à capacidade económica da grande massa na população (1);

b) Acréscimo constante, nas zonas urbanas, do volume de agregados domésticos multifamiliares, única forma que ao cidadão comum se apresenta de suportar o elevadíssimo nível de rendas corrente no mercado. Já vimos atrás que, entre 1950 e 1960, na região de Lisboa, o número de famílias vivendo em parte de um fogo aumentou de 44 700;

c) Aumento constante do volume de famílias que vivem em construções provisórias, por não lhes permitirem os seus modestíssimos recursos fazer face ao encargo das elevadas rendas vigentes no mercado de habitações e não lhes ser possível, ou não desejarem, optar pela solução da co-residência multifamiliar. De 1950 a 1960 o número de agregados com alojamento sem ser em prédio aumentou de 20 500 - dos quais cerca de metade na região de Lisboa;

d) Insolubilidade do problema habitacional, seja qual for o volume dos capitais aplicados, enquanto se mantiverem os critérios (ou a falta de critérios) que até agora tem caracterizado o investimento urbano. Com efeito, o constante aumento do número de habitações caras, fora do alcance económico da grande massa da população, ou não concorre para colmatar o deficit de carência, provocando apenas o empolamento do índice de desocupação, ou determina a constituição de agregados domésticos multifamiliares, social e moralmente ma is perigosa que a residência unifamiliar em construção provisória;

e) As tentativas dos construtores para edificarem habitações a níveis fie renda mais compatíveis com os recursos da população levam-nos, em face da cotação proibitiva dos terrenos no seio das grandes cidades, como Lisboa e Porto, a promoverem a construção de grandes aglomerados imobiliários nos mais diversos e desencontrados pontos da área suburbana, exactamente aí onde o solo for mais barato, em regra sem uma planificação adequada de todos os aspectos relevantes do ponto de vista social e urbanístico (equipamentos colectivos, transportes, etc.) e provocando uma distribuição irracional das massas populacionais na zona considerada. Nos números seguintes ocupar-nos-emos de alguns outros factores que determinaram de modo decisivo o tonus peculiar da actual conjuntura do sector da construção em Portugal.

Deixaremos para o § 7.º o problema da inexistência e urgente necessidade de definição de uma verdadeira política habitacional no nosso país. No que toca à organização administrativa e técnica, acentua justificadamente o relatório do grupo de trabalho n.º 7:

A sobreposição de. competência e duplicação no mesmo campo de actividade;

Graves lacunas e uma generalizada descoordenação a todos os níveis.

Lembra depois que «mais de vinte serviços e organismos diferentes - dos quais pelo menos dez com funções de planeamento e construção de habitações no plano nacional -, dependentes de seis Ministérios, fazem estudos, estabelecem programas, executam empreendimentos e promulgam normas e regulamentos no campo da habitação e do urbanismo, ordinàriamente sem qualquer actividade de coordenação ou sequer de simples informação mútua, por vezes até quando pertencendo a um mesmo Ministério».

E conclui:

Este desperdício de energias e de competências técnicas que daí resulta tem consequências directas e decisivas no agravamento das situações, que se tem verificado nos domínios da habitação e do urbanismo. A nítida persistência entre nós de uma «mentalidade económica pré-industrial» (1) faz com que as poupanças se canalizem sistemàticamente para a aquisição de prédios urbanos, de preferência a outras actividades produtivas dos sectores primário e secundário.

Se tal facto podia, em princípio, concorrer para a solução do problema da habitação, certo é, todavia, que o espírito de lucro que domina esses capitais os conduz, em regra, para aplicações que não correspondem às reais necessidades do País.

Com efeito, o adquirente procura investimentos que, pelo nível das rendas e pela qualidade dos locatários, lhe assegurem um rédito estável.

E o capitalista-construtor, respondendo a essa fortíssima procura, edifica prédios de luxo, de rendas elevadas, inacessíveis à grande massa da população.

Por isso mesmo se acentuou no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 36 121, de 7 de Abril de 1947, que:

... a prosperidade financeira de certos sectores conduz a grandes especulações na transacção de pré-

(1) Este alto índice médio de desocupação resulta também, como atrás acentuámos, do progressivo despovoamento das zonas rurais e do consequente abandono de grande parte dos fogos ali situados.